O Sistema Nacional de Informações de Gênero (SNIG), que faz parte do Programa de Estatísticas de Gênero no IBGE, publicou no ano passado o livro “Estatísticas de Gênero – Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010”. A publicação apresenta e analisa dados a censitários de 2000 e 2010 a partir de indicadores de desigualdades de gênero, combinada a desigualdades de raça/etnia, idade, local de moradia (rural e urbano) e classes de rendimento.

Trata-se de um importante material para a ampla observação da situação das mulheres no Brasil, nos mais diversos âmbitos. O livro está disponível para download gratuito na Biblioteca Online do IBGE, neste link, e os dados também podem ser encontrados neste link, a partir do cruzamento de temas, indicadores e áreas, em uma plataforma dinâmica e interativa.

A SOF destaca aqui os principais resultados quanto aos temas do mercado de trabalho e dos rendimentos, além da inserção destes temas nos assuntos da família e da educação. O foco da análise se volta para o debate da autonomia econômica, pauta de grande importância para o feminismo e a emancipação das mulheres.

Mercado de trabalho

A inserção das mulheres no mercado de trabalho, considerada um aspecto de sua autonomia, é analisada a partir da taxa de atividade, taxa de formalização dos trabalhadores, nível de instrução da população ocupada, e nível de ocupação das mulheres com filhos pequenos relacionada ao acesso à creche.

A taxa de atividade mostra a proporção da população em idade ativa que se encontra trabalhando ou procurando trabalho. Em 2010, a taxa de atividade das mulheres era de 54,6% enquanto que a dos homens era de 75,7%. Comparado a 2000, a taxa de atividade das mulheres cresceu em 4,5 pontos percentuais e a dos homens reduziu em 4 pontos. A variação entre mulheres e homens, ainda que grande, reduziu nos últimos dez anos. As mulheres aumentaram sua participação no mercado de trabalho, enquanto que aumentou a taxa dos homens considerados inativos, sobretudo na faixa de 16 a 29 anos.

A taxa de atividade é maior entre as mulheres brancas, 56,2%, frente a 53,1% das mulheres negras. E é maior entre as urbanas, 56%, frente a 45,5% das mulheres rurais, o que indica uma subnotificação das atividades realizadas pelas mulheres e uma representação de que a produção para autoconsumo é extensão do trabalho doméstico e considerado não trabalho e as pessoas que o realizam consideradas inativas.

A taxa de formalização é a proporção de pessoas ocupadas que estão em trabalhos formais: trabalhador com carteira de trabalho assinada, militares e funcionários públicos e os trabalhadores conta própria e empregadores que contribuem com a previdência social. É um indicador da qualidade do trabalho pelo acesso a direitos como férias, 13º salário, licença maternidade, entre outros. Em 2010, 57,9% das mulheres ocupadas com mais de 16 anos estava no trabalho formal, proporção ligeiramente inferior aos homens, que chegavam a 59,2%.

Nos últimos vinte anos a taxa de formalização aumentou para todos os setores, e de forma mais intensa entre jovens, e entre negros e negras. No entanto, se mantém variações regionais: enquanto 76% das mulheres ocupadas em Florianópolis estavam no mercado formal, em Belém, esta proporção era de 51,2%. Considerando-se a posição na ocupação percebe-se uma diminuição da proporção de empregadas domésticas sem carteira assinada, mas em 2010 estas eram ainda 10% do total de trabalhadoras frente a 5,1% das empregadas domésticas com carteira assinada. Entre as empregadas domésticas sem carteira assinada 62,3% eram negras e 36% eram brancas.

As mulheres ocupadas são mais escolarizadas do que os homens, 19,2% delas têm o superior completo, enquanto que 11,5% dos homens têm este mesmo nível de instrução. A disparidade se acentua quando se considera a raça: 26% das mulheres brancas têm superior completo, enquanto que apenas 11,2% das negras o têm.

A oferta de creches impacta diretamente na autonomia das mulheres e suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Em 2010, o nível de ocupação (razão entre população ocupada e população em idade ativa) das mulheres de 16 anos ou mais com filhos de 0 a 3 anos que todos freqüentam creche é de 65,4%, bem superior do que daquelas cujos filhos não freqüentam (41,2%) ou apenas algum filho freqüenta (40,3%).

Rendimentos

O rendimento é uma das principais variáveis para se mensurar pobreza e desigualdade. Embora se considere que sozinho, não explica a pobreza, que desde uma visão mais amplia implica na privação do acesso a ativos e de liberdades individuais. A pobreza feminina se explica pela discriminação de gênero, posição de dependência, divisão sexual do trabalho e decorrente falta de tempo. Numericamente a pobreza feminina não é maior que a masculina e a desigualdade entre mulheres e homens ocorre entre pobres e não pobres. A sobre-representação das mulheres na pobreza só se evidencia nos domicílios chefiados por mulheres com filhos.

A desigualdade não é apenas econômica, mensurada pela distribuição de renda, mas também social e política e tem dimensão de gênero, raça/etnia, faixa etária e região do país.

A redução da disparidade de rendimentos entre mulheres e homens é uma das metas do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres no capítulo sobre igualdade no mundo do trabalho e autonomia econômica. A autonomia econômica implica em ações que articulem o público e o privado, ou seja ao mesmo tempo em que propiciem o acesso das mulheres à renda e ao mercado de trabalho, visibilizem o trabalho doméstico.

Os indicadores de rendimento são apresentados quanto à proporção de pessoas, o valor do rendimento médio, a razão entre os rendimentos médios de mulheres e homens.

O indicador de proporção de mulheres sem rendimentos ilustra a relação de dependência econômica das mulheres, o não reconhecimento do trabalho doméstico que realizam e a vulnerabilidade a situações de violência doméstica. Em 2010, 30,4% das mulheres com 16 anos ou mais não tinha nenhum rendimento, enquanto que 19,4% dos homens encontravam-se nesta situação.Entre as pessoas sem rendimento, o maior peso estava entre as rurais (32,3%) frente a 23,9% das urbanas e entre as negras (27,4%) frente às brancas (22,6%). Entre 2000 e 2010 diminuir o número de mulheres idosas sem rendimento, o que revela um aumento da cobertura previdenciária.

Em 2010 33,7% das mulheres e 25,7% dos homens tinham rendimento mensal de até 1 salário mínimo. Dentre as mulheres negras 40,3% recebiam até 1 salário mínimo e dentre as rurais, 50,5%. As políticas de valorização do salário mínimoe de proteção social contribuíram para uma melhoria dos rendimentos recebidos pelas mulheres. O rendimento médio dos homens entre 2000 e 2010 subiu 7,3%, enquanto que o das mulheres subiu 10,7%. Ainda que tenha diminuído a disparidade de rendimento entre mulheres e homens, as mulheres têm um rendimento médio equivalente a 67,7% do rendimento dos homens.

O rendimento médio das mulheres negras correspondia a 35% do rendimento médio dos homens brancos. As mulheres negras tinham um rendimento médio equivalente a 52% do rendimento das mulheres brancas. E as mulheres brancas, 67% do rendimento dos homens brancos. As mulheres rurais são as que apresentam os menores rendimentos (480,00), valor inferior ao salário mínimo vigente em 2010.
A distribuição dos rendimentos entre as mulheres é mais desigual do que entre os homens. O rendimento médio das mulheres com os 20% maiores rendimentos equivale a 20,5 vezes o rendimento das mulheres com os 20% menores rendimentos. Para os homens, esta relação é de 14,1 vezes.

Quando se considera apenas o rendimento médio do trabalho, as mulheres recebem em média 73,8% do rendimento dos homens. Isto mostra que os rendimentos de outras fontes como aluguel, juros de caderneta de poupança e de aplicação financeira, dividendos etc… são maiores para os homens.

A desigualdade por sexo do rendimento médio do trabalho aumenta com a idade. Em média, as jovens entre 18 e 24 anos recebiam 88% do rendimento dos homens da mesma faixa etária, enquanto que as mulheres de 60 anos ou mais recebiam 64% do rendimento dos homens.

Família

O indicador utilizado é a razão entre o número de famílias com mulheres responsáveis pela família em relação ao número total de famílias. Pessoa responsável é aquela reconhecida como tal pelos demais membros da unidade doméstica, não há, portanto, um critério objetivo como maior rendimento, pessoa mais idosa etc.

As mulheres eram responsáveis por 37,3% das famílias. As mulheres negras, responsáveis por 38,7% das famílias com responsáveis negros. As mulheres eram responsáveis por 87,4 das famílias monoparentais. Elas eram responsáveis por 40,8% das famílias com rendimento mensal per capita de até 1 salário mínimo.

Outro indicador da autonomia econômica das mulheres foi sua contribuição para o rendimento monetário familiar total. O rendimento das mulheres representou 40,9% do rendimento das famílias. Esta proporção chegava a 51% entre as famílias rurais do nordeste e a menor contribuição das mulheres se dava entre famílias rurais do centro-oeste. Nas famílias com pessoas responsáveis negras as mulheres contribuíram com 42% dos rendimentos, enquanto que no caso das brancas, 39,7%.

Educação

Os indicadores demonstram maior escolarização feminina, com taxas de analfabetismo superiores para as mulheres somente na faixa etária de 60 anos ou mais. A taxa de freqüência bruta a estabelecimentos de ensino é bastante próxima para meninas e meninos. Ainda assim, chama atenção que há uma proporção maior de mulheres de 15 a 17 anos que não estudam nem trabalham (12,6%) se comparada aos homens (9,1%), e a diferença por sexo deste indicador atinge 6,3 pontos percentuais na área rural.

O fato das mulheres serem mais escolarizadas do que os homens não implica necessariamente em maiores rendimentos. A razão do rendimento de mulheres e homens segundo áreas de formação demonstra que as mulheres recebem menos do que os homens em todas as áreas, indo de 53,2 nos serviços a 78,5 em humanidades e artes.