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Nos últimos dias, acompanhamos com perplexidade o surgimento de grupos como “Encoxadores e encoxatrizes” e a aparição de perfis nas redes sociais voltados para a divulgação de vídeos e imagens de homens assediando mulheres dentro do transporte público, como forma de entretenimento para aqueles que “apreciam” tal prática e não a enxergam como crime, não têm medo de serem punidos como agressores.
Tais ações ganharam maior visibilidade com a prisão de um estuprador no metrô de São Paulo, assim como a detenção de outros dois assediadores, que cumprirão pena em liberdade.
Estes casos recentes são um reflexo da impunidade contra os agressores e a expressão da violência no transporte vivenciada diariamente por milhares de mulheres.
A violência contra a mulher é uma das principais expressões do machismo e da dominação masculina, através da ideia de que as mulheres são objetos pertencentes aos homens e de que é natural sofrer violência. Na base desta violência, estão as desigualdades mantidas entre homens e mulheres na sociedade.
Um dos elementos que marcam a desigualdade entre homens e mulheres é o fato da nossa sociedade considerar o espaço público como prioritariamente masculino e o privado como feminino. À medida que as mulheres ocupam cada vez mais o espaço público, parte dos homens as enxerga como disponíveis, já que estão ocupando um espaço que não pertence a elas. Na rua, ouvimos gracejos ou piadas, como se estivéssemos disponíveis e sem direito de estar ali. No ônibus ou metrô, sofremos com as passadas de mão, esfregão, apertões e estupros.
Ainda assim, o número de denúncias é baixo e são muitos os motivos que levam as mulheres a não denunciar. Ao sofrer a violência, a mulher se depara com a falta de locais apropriados e funcionários preparados para receber a denúncia e com a falta de solidariedade por parte dos usuários do transporte que, muitas vezes, optam por se isentar ou culpabilizam a vítima pela agressão sofrida.
O assédio e a violência sexual no transporte público não são recentes, e há alguns anos a Marcha Mundial das Mulheres vem denunciando e cobrando ações por parte dos órgãos públicos.
Em 2011, a MMM entregou um documento à Coordenadoria da Mulher do município de São Paulo propondo várias medidas em relação à violência contra a mulher e em relação à violência no transporte.
Em 2012, durante as audiências e reuniões da CPMI da violência contra a mulher, propôs toda uma política de enfrentamento a violência contra a mulher, incluindo propostas para o transporte.
Em 2013, entregou um documento sobre o Plano Diretor que também contava com propostas em relação à violência nos transportes, realizou uma ação no metrô de São Paulo, panfletando e conversando com as usuárias, e outra ação no terminal Parque Dom Pedro, através de uma enquete sobre assédio no transporte público.
Entre as propostas apresentadas para o poder público, estavam: a adoção de câmeras em ônibus, trens e metrôs para que as mulheres possam reconhecer assediadores; realização de campanhas contra o assédio sexual no sistema televisivo de ônibus, metrôs e trens para fortalecer na prevenção desta prática; a criação de campanhas que orientem as mulheres sobre seus direitos, como se defender, e também campanhas que possam constranger os agressores; a criação de canais para facilitar a denúncia, como por meio de envio de mensagens por telefone; a formação adequada aos funcionários para atendimento das vítimas; a iluminação em pontos de ônibus e pontos em lugares com circulação; o transporte de qualidade como direito de todas, combatendo a superlotação.
A violência no transporte público é um grande transtorno diário para milhares de mulheres e falsas medidas, como vagões especiais para as mulheres nos trens e metrôs e “ônibus rosa” são uma forma de segregação e não são capazes de garantir a segurança das mulheres.
Separar espaços não é solução. Mulheres e homens têm o direito de conviver nos espaços públicos. Com estes projetos, o espaço público é reforçado como território masculino.
Os homens abusam sexualmente e assediam as mulheres nos transportes não porque possuem uma sexualidade incontrolável, mas porque estão acostumados a exercer a violência e o poder sobre as mulheres.
Separando as mulheres, seremos coniventes com o machismo e o exercício da violência. Se uma mulher, por qualquer razão, está no transporte ao lado de cidadãos homens, pode-se justificar a violência? Sabemos que o estupro e os assédios não acontecem somente em horário de pico, ocorre em qualquer horário dentro do transporte publico e nas ruas.
Nós mulheres queremos estar em todos os lugares, ser respeitadas e viver sem violência.

Sonia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Coordenação Nacional da Marcha Mundial das Mulheres.