Durante os dias 15 a 18 de outubro aconteceu o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (13º CBA) em Juazeiro da Bahia, primeiro congresso realizado no semiárido. Nesta edição trouxe o tema: “Agroecologia, Convivência com os territórios brasileiros e justiça climática”, e promoveu espaços de compartilhamento de experiências entre comunidades tradicionais, agricultoras, quilombolas, indígenas e comunidade acadêmica.
Com mais de 5 mil inscritos para os 4 dias de congresso, a Universidade Federal do Vale do Rio São Francisco (UNIVASF) recebeu a feira de sementes, a diversidade de produtos da agricultura familiar, estudantes, pesquisadores, militantes e atores da agroecologia de todo o país. O lema “é no semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que o povo resiste” deu o tom de todos os espaços do congresso e colocou no centro as às iniciativas de construção da agroecologia que nascem no semiárido e seus ecos em todo o país.
A escolha da localização do 13º CBA já diz muitas coisas. Ao descer de avião na chegada à Petrolina, são visíveis os canais de concreto que cortam a caatinga para levar, em sistemas de irrigação, água do São Francisco para o meio do sertão. Enquanto isso, em Petrolina, alguns bairros residenciais já estavam a mais de 20 dias sem água para uso doméstico. Pessoas usando água mineral para lavar louça,tomando banho na universidade, casa de amigos ou de outros familiares. Fica nítida a exploração do bioma nomeado de “mata branca”, e como esse branco se transforma em verde. Mas um verde artificial, um verde das monoculturas de frutas para a exportação. O território é quadriculado, partes com caatinga, partes com grandes latifúndios de monoculturas, manga, coco, uva e acerola. Ninguém que lá vive consegue comprar essas frutas. A barragem de sobradinho, há alguns quilômetros de onde aconteceu o congresso, guarda em sua história, comunidades que foram tiradas de seus territórios que ficam no esquecimento, as histórias das lutas e resistência para se manterem alí.
O tema da convivência com os territórios brasileiros e a justiça climática foram centrais neste congresso. Experiências de práticas agroecológicas de produção de alimentos e a soberania alimentar foram temas recorrentes em diversos espaços, mesas, oficinas e espaços autogestionados dos movimentos. Agroecologia como aposta para o enfrentamento às mudanças climáticas direcionou os caminhos trilhados durante o congresso.
As juventudes se apresentaram como grande potência para o movimento agroecológico e para a construção do conhecimento deste campo. O diálogo intergeracional foi marcante, ocorreu neste CBA a primeira plenária de idosos e também a participação das crianças e do brincar como personagens protagonistas para a transição agroecológica que desejamos.
Agricultores entendidos como cientistas tiveram seu espaço oficial na 1ª tenda das inovações, com ferramentas e novas tecnologias criadas nos territórios voltadas à demandas locais. Apresentações de trabalhos nos tapiris dos saberes, dentro da universidade, deram voz principalmente às comunidades tradicionais que constroem conhecimento a partir de suas próprias realidades e territórios. Como colocado na plenária final do CBA: estamos em uma transição agroecológica e metodológica nos congressos, para termos o máximo de coerência no que dizemos e no que fazemos.
O lugar das mulheres na construção da agroecologia foi um dos eixos centrais e transversais discutidos durante os dias do congresso. Os princípios do feminismo estavam presentes em metodologias de pesquisa, em práticas de produção de alimentos e na construção de políticas públicas. Incidências feministas sobre as políticas públicas caracterizam momentos de plenária. Como apontou Maria Emília Pacheco, da FASE, em sua fala na plenária de encerramento: O lema “sem feminismo não há agroecologia” vai se enraizando pela incorporação dos princípios do feminismo na agroecologia e no compromisso político das organizações contra o patriarcado.
A SOF, representada por Bruna Massis e Sheyla Saori, esteve presente, acompanhando plenárias, espaços autogestionados, mesas de discussão e nos tapiris de saberes. Construímos, a partir do GT Mulheres da ANA, espaços de discussão das políticas públicas de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) para mulheres, metodologias feministas na prática da agroecologia e os impactos das políticas públicas na vida e para a autonomia das mulheres.
No Ato público questionamos o acordo entre MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) para a atuação em projetos de ATER. Gritamos “Para uma agricultura familiar, uma ATER sem SENAR!” pois entendemos que uma política pública de assistência técnica e extensão rural se faz a partir dos territórios e das demandas locais e não deve se basear em pacotes tecnológicos já preparados.
Nos espaços autogestionados propostos pelo GT Mulheres da ANA discutimos a metodologia das cadernetas agroecológicas, seus impactos nos territórios e o uso dessa metodologia em novas políticas públicas. No espaço autogestionado sobre ATER mulheres ouvimos quatro diferentes experiências da atuação de organizações feministas com a prática de ATER em distintas regiões do país. Neste mesmo espaco incidimos sobre os ministérias MDA e MDS e a ANATER em relaço aos avancos e desafios que temos na construcao de uma politica publica agroecológica e feminista.
“Feministas da Agroecologia na luta por justiça climática, contra o racismo ambiental e por convivência com os territórios”, CBA realiza plenária de Mulheres
A primeira atividade oficial do congresso foi a Plenária de Mulheres. Organizada em conjunto com o Grupo de Trabalho (GT) Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o GT Mulheres da ABA-Agroecologia e a Rede Feminismo e Agroecologia. Com o tema “Feministas da Agroecologia na luta por justiça climática, contra o racismo ambiental e por convivência com os territórios”, trouxe falas que recuperaram o sentido político do CBA e das feministas da agroecologia no congresso. Historicamente esse espaço do feminismo na agroecologia foi de disputa, até que cunhou-se a palavra de ordem “sem feminismo não há agroecologia”.
A campanha pela divisão justa do trabalho doméstico, que completa 11 anos este ano, direcionou as falas das convidadas para a mesa e pautou o debate do trabalho dos cuidados, a divisão sexual do trabalho e o embate que agricultoras, quilombolas e mulheres do campo fazem em seus territórios pelo reconhecimento de suas jornadas de trabalho e pelo seu protagonismo na construção da agroecologia e da justiça climática.
A financeirização da natureza foi um tema recorrente nas falas da plenária. Mulheres de comunidades do semiárido, mulheres marisqueiras, guardiãs da água, relataram enfrentamentos aos grandes empreendimentos que expulsam as comunidades de seus territórios e inviabilizam a convivência em seus biomas.
As mulheres vivem e fazem agroecologia. Na mística de abertura vimos a terra em sofrimento sendo cuidada por diferentes mulheres, de diferentes contextos e assim retomando a sua vida. Como colocou uma das agricultoras presentes na plenária: “somos indivíduos que construímos em coletivo”.
O auditório em que foi realizada a plenária de mulheres esteve com todas suas cadeiras ocupadas do início ao fim da atividade. Percebemos então o reconhecimento e a consolidação do sujeito político que são as feministas da agroecologia, cada vez mais fortalecidas. O sentimento ao final da plenária de mulheres foi de retornar aos nossos territórios mais fortalecidos, de inspirar e provocar ações feministas onde estivermos, de compartilhar as experiências vividas e de demarcar nossos lugares e nossas posições políticas.
Após todos os espaços de compartilhamento de experiências, rodas de debates e mesas de discussão fica evidente que vivemos um momento de múltiplos desafios e o CBA apresentou diversos caminhos de enfrentamento aos desafios ambientais, sociais e políticos que enfrentamos sempre com o princípio do território à frente desses caminhos. As saídas frente às mudanças climáticas estão sendo construídas nos territórios, por comunidades tradicionais e pelas mulheres em seus quintais, hortas e todos os espaços de atuação, pois “sem feminismo, não há agroecologia!”.
Confira uma galeria de fotos (Crédidos: Bruna Massis – SOF/ MMM)























