O Encontro de formação entre agricultoras, quilombolas e grupos de consumo aconteceu nos dias 16 e 17 de junho no barracão do Quilombo Terra Seca, em Barra do Turvo (SP). Reuniu 38 agricultoras e quilombolas de sete comunidades do município, e 13 participantes de grupos de consumo de São Paulo, Santo André e Taboão da Serra.

Este Encontro integra o programa “Construindo capacidades e compartilhando experiências para uma economia inclusiva”, que a SOF está realizando no Vale do Ribeira com o apoio do Fundo Newton do Conselho Britânico.  Esta atividade pretendeu responder às demandas das agricultoras que já estão envolvidas na venda direta para qualificar o processo, e também à demanda das demais de conhecer como ele se realiza.

Grupos de consumo

A venda direta para grupos de consumo teve como ponto de partida um intercâmbio realizado em outubro de 2016. Desde então, as compras vêm acontecendo mensalmente. Atualmente há 30 agricultoras organizadas em seis grupos diretamente envolvidos na comercialização, permitindo um recebimento médio por entrega por agricultora de R$246,00.

Para os consumidores na cidade, a maior surpresa talvez seja a biodiversidade de alimentos ofertados a cada mês. Vários tipos de bananas e frutas em geral, feijões para além do preto e carioca, doces e geleias de diversas frutas nativas.

O Encontro entre campo e cidade

Desta vez, o intercâmbio teve seu caráter de formação mais desenvolvido. Na parte da manhã, as agricultoras, camponesas e quilombolas que já estão envolvidas, ou que têm potencial para participar, construíram sua visão conjunta do processo. Quais são os pontos fortes e debilidades do trabalho comum? Como está hoje? Onde queremos chegar? Quais os passos para chegar até lá sem perder nossas fortalezas?

A proposta foi identificar os princípios comuns que organizam o processo do ponto de vista delas.  Elas resgataram acordos anteriores: a prioridade no destino da produção é o consumo da própria família, trocar quando possível, comercializar localmente e o que for excedente comercializar com os grupos. As agricultoras que participam diretamente dos grupos é que tem seus produtos comercializados. É preciso ampliar as possibilidades de venda para envolver mais mulheres, até envolver aquelas mulheres que ainda não despertaram para reconhecer-se como pessoas por inteiro. O grupo decidiu realizar atividades mensais de formação e intercâmbio com representantes de cada grupo de agricultoras.

Na parte da tarde do encontro, as pessoas que participam dos grupos de consumo se juntaram e fizeram apresentações (preparadas durante a manhã), respondendo a perguntas como “quem somos” e “o que produzimos”. A gestão e autogestão do tempo foi um primeiro exercício para o trabalho coletivo. Em seguida, foram debatidos os princípios que orientam as compras diretas entre estes grupos, a partir do trabalho realizado pelas agricultoras e aportes dos grupos de consumo.

Agroecologia gera autonomia

Entre outras coisas, reconhecemos que nos organizamos com base na economia solidária, no feminismo, na agroecologia e na soberania alimentar. As agricultoras e quilombolas se apropriam de todo o processo, que funciona nos tempos que elas demarcam, garantindo que elas tenham toda a informação necessária para tomar suas decisões de forma coletiva e entre elas.

A proposta é valorizar o trabalho e o conhecimento das mulheres, para que elas tenham cada vez mais autonomia na comercialização e na vida. Queremos que mais e mais trabalhadoras e trabalhadores que vivem na cidade consumam alimentos diversos e de qualidade a um preço acessível.

Desafios de logística em debate

Os temas de formação propostos foram logística, precificação e qualidade e foram preparados por participantes dos grupos  de consumo e da SOF. A logística foi debatida a partir de uma espécie de jogo de tabuleiro em que cada grupo exercitava uma compra desde os pedidos até a entrega. As cartas apresentavam os desafios encontrados na prática das compras até agora realizadas. Neste percurso os grupos identificaram problemas, temas a debater que aprofundamos em seguida.

Por exemplo, problemas no acondicionamento dos produtos e na pressa de transferi-los ainda acontecem porque não temos caixas de transporte suficiente. Várias agricultoras ainda não tem nota fiscal da produtora. Ainda precisamos melhorar a comunicação e formas de como lidar com perdas.  Se houvesse melhor comunicação (acesso a internet, sinal de telefone) quando na hora da colheita um grupo identifica que não poderá cumprir com a oferta proposta poderia pedir para outro grupo completar.

A precificação foi debatida a partir de um exercício em grupos de análise dos preços praticados pelos grupos das agricultoras nas últimas compras e preços de outros agricultores que fornecem para os grupos. Assim, foi possível construir uma definição comum entre todos os grupos de agricultoras do Vale que participam de preços iguais para os mesmos produtos. Sabemos que os produtos agroecológicos que elas produzem têm imenso valor, mas qual é o equilíbrio entre atribuir-lhes um valor monetário (preço) e, ao mesmo tempo, assegurar que trabalhadoras e trabalhadores podem aceder a eles?

A proposta não é criar um nicho para elas no mercado de orgânicos destinado à elite. Os preços devem ser definidos pelas agricultoras, mas ao mesmo tempo precisamos manter o diálogo. Não é o caso de uma saída de mercado em que os grupos, para manter o preço acessível a seus participantes, rompam a relação com elas e procurem outros preços mais baratos.

A qualidade dos produtos em diálogo

Por fim, debatemos a qualidade dos produtos. Foram apresentadas questões identificadas nas compras anteriores, como ponto de colheita, tamanho dos produtos, questões que tangenciam o modo de vida das pessoas que moram na cidade e vão consumir. Em relação aos produtos transformados, concluiu-se pela necessidade de melhorar a qualidade de alguns itens, inclusive com a sugestão de organizar oficinas de boas práticas – a participação em pelo menos uma destas oficinas seria condição para a oferta de processados. Uma primeira oficina aconteceu durante o curso realizado em conjunto com o Instituto Federal de Matão entre 26 e 28 de maio deste ano.

Simultaneamente neste dia, algumas das pessoas dos grupos de consumo foram conhecer a maneira como as agricultoras produzem, como organizam seu trabalho, que desafios encontram na produção agroecológica.

Ao final do dia, no momento de avaliação, o surgimento de palavras como “aprendizagem” e “compromisso” demonstram o envolvimento de todas e todos com o processo. Muitos agradecimentos foram feitos às mulheres do quilombo Terra Seca pela acolhida em seu espaço de reunião, em suas casas e pelo preparo de deliciosas refeições com os produtos plantados por elas.