Rafael Stedile
Em entrevista ao Brasil de Fato SP, a coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, Sônia Coelho, aponta a naturalização do machismo como um problema.

04/04/2014

Guilherme Almeida

De São Paulo (SP)

A pesquisa de opinião apontando que a maioria dos entrevistados acredita em uma relação direta entre o estupro e o comportamento das mulheres causou um intenso debate na sociedade. Nas redes sociais, mulheres postaram fotos com a frase: “Eu não mereço ser estuprada”. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 58% das pessoas consultadas responderam que “se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros”. O estudo sai dias após as crescentes denúncias de mulheres que sofreram assédio sexual em trens do Metrô e da CPTM em São Paulo.

Em entrevista ao Brasil de Fato SP, a coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, Sônia Coelho, aponta a naturalização do machismo como um problema. Contudo, ela defende que, apesar disso, “os homens não podem ser eximidos de culpa quando praticam um ato de opressão”. Sônia, que é assistente social, também opina sobre a baixa representatividade das mulheres na política. “O fato de ter a Dilma na presidência não significou mais mulheres no Legislativo”, diz.

Quais são os desafios que pesam mais na vida das mulheres atualmente?

Um exemplo é a questão de assédio sexual e estupro no transporte coletivo. Imagina uma cidade como São Paulo onde é preciso se locomover em ônibus e metrôs muito lotados e ainda é preciso enfrentar o assédio. Em 2013, a Marcha Mundial das Mulheres fez algumas ações em estações de Metrô para trazer à tona as denúncias de mulheres assediadas e agredidas. Essa expressão machista, por muitas vezes, impede até o direito de ir e vir das mulheres.

Qual é a posição do movimento em relação aos projetos de vagões para embarque exclusivos de mulheres?

Nós somos contrárias. Esse tipo de medida, na verdade, segrega as mulheres. A gente defende que as mulheres devem ser respeitadas em todos os vagões, assim como em todos os lugares. Separar as mulheres em um espaço específico é uma medida que protege o machismo. Nos já propusemos para a prefeitura e para o governo estadual que haja campanhas preventivas nos terminais de ônibus e estações de metrô. Os órgãos públicos têm meios de identificação dos agressores, mas que são subutilizados.

Qual é o nível de consciência que um homem pode ter de seus atos opressores e como mostrar isso para ele de forma didática?

O problema é que o machismo é muito naturalizado, existe todo um processo de socialização desde criança que reforça papéis de homens e de mulheres, junto com uma ideologia. Quando a pessoa chega na fase jovem e na adulta, isso influencia cada um. O que fica disso, é que o homem entende que tem certos privilégios em relação à mulher, como não ter a mesma responsabilidade no trabalho doméstico ou ganhar mais pelo mesmo trabalho. Ou seja, nesses momentos, o homem tem a noção dos mecanismos de opressão, como a própria violência. Por mais que a naturalização do machismo privilegie o homem independentemente de suas vontades, ele não pode ser eximido de culpa quando pratica um ato de opressão.

A baixa representatividade de mulheres na política institucional é um obstáculo?

Sim, isso é um sintoma do quanto nosso país precisa avançar na busca por igualdade. O Brasil é um dos países mais atrasados na representatividade de mulheres. O fato de ter a Dilma Rousseff na presidência não significou mais mulheres no Legislativo. Por isso, nós, como feministas, estamos nos aliando a outros movimentos sociais na campanha do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. A gente acha que se o Brasil não passar por uma reforma política profunda, que mexa nos mecanismos de participação, que pense uma reforma eleitoral, não tem como mudar a participação das mulheres.

Que mudanças no processo eleitoral poderiam ajudar a corrigir a participação desproporcional de mulheres?

Na verdade, o que tem sido debatido no movimento de mulheres é que para se mudar isso, primeiro teríamos que mudar a cultura de voto individual ou pessoal. O ideal é votar em um programa político e numa lista partidária. A gente é contrária à coisa do voto distrital, ele também colocaria as mulheres em dificuldade. A saída é você ter uma votação em listas coletivas e alternadas, em gênero, raça, entre outras coisas, para se mudar a conformação do Parlamento. Porque numa sociedade altamente machista como a nossa, a referência vai ser sempre o homem. Então, o eleitor deveria votar numa lista de pessoas associada a um projeto político.

fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/28042