O texto abaixo é uma análise de Marilane Teixeira sobre o impacto da terceirização na vida das mulheres, frente à recente aprovação do PL 4330 pelo Congresso Nacional. Marilane Teixeira é economista, pesquisadora do Cesit/Unicamp, assessora da Confederação Nacional dos Químicos e do Sindicato dos Químicos de SP, integrante do Fórum Nacional em Defesa dos direitos dos trabalhadores ameaçados pela terceirização, e compõe a diretoria da SOF.

São as motivações econômicas, através da busca por maior competividade e redução de custos, que estão no centro das iniciativas de terceirização. Nos anos de 1990 foi disfarçado pelo discurso neoliberal de que a prática estimularia a geração de postos de trabalho, o que não se confirmou, pois ao final da década o desemprego havia evoluído 70%. Na atualidade o discurso empresarial se volta para a busca de competitividade uma vez que já não é possível atribuí-lo como fator de criação de empregos, esse sim resultante do dinamismo econômico. Agora a prática é estimulada dentro de um contexto determinista, trata-se de uma tendência e quem não compartilha dessa modernidade é retrógrado e corporativista.

É com esse discurso que os setores econômicos entraram no debate da terceirização. O PL 4330 é a melhor expressão desse entendimento sobre modernidade e competitividade, ao permitir que todas as atividades da empresa sejam terceirizadas, chegando-se ao limite das empresas se tornarem apenas um CNPJ sem um único trabalhador ou trabalhadora contratado (a) diretamente pela empresa. A sua aprovação representa um futuro para o trabalho desprovido de direitos, salários dignos e uma enorme insegurança uma vez que a prestadora de serviços pode designar a sua vontade onde o (a) trabalhador (a) cumprirá sua jornada diária, que poderá ser uma fábrica, amanhã em um supermercado e depois sabe lá, porque são infinitas as possibilidades e isso tudo independentemente se está ocupado (a) em serviços de limpeza, caixa, produção, manutenção ou escritório. Esse é um dos lados mais perversos da terceirização dispor do (a) trabalhador (a) como uma mercadoria que poderá servir a distintas finalidades e realizar várias atividades de forma simultânea sem o treinamento ou a qualificação indispensável para a realização das tarefas.

Com isso, também, se perdem todos os valores de solidariedade, e o espírito de cooperação que emerge do próprio do ambiente de trabalho que subordina a todos(as) a uma mesa lógica de exploração, a identidade com o trabalho desaparece para dar lugar a tarefas individualizadas, fragmentadas, inseguras e precárias.

Atualmente a terceirização é regulada através da Súmula 331 de 1994, ela proíbe a terceirização em atividade fim, mas permite naquelas que são previstas em lei como asseio, limpeza e vigilância e as atividades consideradas meio ou não essenciais para a empresa. Quando se identifica a presença de prestação de serviços em atividades fins, nesses casos, as empresas que praticam a terceirização de forma ilegal são condenadas a pagar vultuosas multas e obrigadas a reconhecer os vínculos empregatícios com a tomadora, há milhares de processos na justiça do trabalho nesse sentido.

Atual realidade do mercado de trabalho

Não há dados disponíveis para medir a sua verdadeira magnitude, apenas aproximações, o Dieese identifica em torno de 12,4 milhões de homens e mulheres trabalhando nessas condições. Desse total as mulheres respondem por 32%, mas esse número pode estar subestimado uma vez que não inclui as trabalhadoras em confecções e que trabalham em casa, por meio do trabalho a domicilio, seja as sem registro ou por conta própria uma forma disfarçada de terceirização. Os dados da PNAD de 2013 indicava a presença de mais de 1,2 milhão de mulheres trabalhando nessas condições. A regulamentação, através do PL 4330, não vai mudar essa realidade, pelo contrário, tende a ser ampliada sem que se constitua nenhum mecanismo de proteção a essas mulheres.

Tanto que o setor de confecções é vastamente utilizado como exemplo de “modernidade” pelos empresários, a organização em rede permite que todos possam usufruir de seus resultados. A cadeia de produção da indústria têxtil é, sem dúvida, das mais perversas. Os métodos de trabalho lembram o século XIX, o trabalho a domicilio é fartamente utilizado pelas empresas sem oferecer nenhum direito ou garantia a essas trabalhadoras cujas jornadas oscilam entre 12 e 16 horas diárias. O salário entre as trabalhadoras sem carteira era de R$ 615,00 e as por conta própria R$ 625,00 já as com registro o salário era de R$ 967,00, em 2013, inferior ao salário mínimo nacional. Também são as que detém jornadas mais longas se acrescentarmos as 21h por semana  dedicadas ao trabalho doméstico, atrás apenas das mulheres ligadas as atividades agrícolas.

Os dados podem causar surpresa uma vez que haveria uma expectativa de que as mulheres seriam a maior parte entre as atividades atualmente terceirizadas, no entanto, é importante entender a lógica da terceirização, as mulheres não são porque já recebem salários menores e estão em atividades ligadas, por exemplo, ao comércio e serviços em que os salários estão próximos ao mínimo nacional e as condições de trabalho extremamente rebaixadas, estão em atividades sem registro ou por conta própria. Somente no comércio e serviços são mais de 2,6 milhões, em alojamento e alimentação, 1,1 milhão, na educação, saúde e serviços sociais, 1,6 milhão e outras atividades não definidas 1,6 milhão. A aprovação do PL 4330 não vai alterar em nada essa realidade, mas aprofundá-la.

A terceirização faz parte da racionalidade econômica, as empresas só adotarão se essa modalidade de contratação representar redução de custos. Além disso, também se identifica uma outra motivação pouco discutida que são as áreas em que as possibilidades de adoecimento sejam maiores, principalmente em linhas de produção com processos repetitivos. Nessas áreas é muito comum as empresas terceirizarem toda a sua linha de produção para evitar passivos trabalhistas futuros, são as mulheres que trabalham nessas áreas. Atualmente essa expansão está limitada pela Súmula 331, mas se aprovado certamente irá se generalizar para todas as linhas de produção. Se concentrarmos nossa análise unicamente no universo com carteira de trabalho, em torno de 12,4 milhões, as mulheres respondem por aproximadamente 1/3. Na comparação com o total de mulheres assalariadas com carteira, as trabalhadoras terceirizadas respondem por 20%. Uma breve descrição do seu perfil vai indicar que estão concentradas nas ocupações que remuneram menos, em torno de 74% é o que corresponde o seu salário médio em relação ao dos homens, já em comparação a remuneração média do total das mulheres, as trabalhadoras terceirizadas recebem em média 69%.

Impactos imediatos com a aprovação do PL 4330 

As empresas, para reduzir seus custos, poderão transferir parte ou todo o processo produtivo que poderá ser realizado dentro ou fora das dependências da empresa. Imediatamente todas as ocupações que não necessitam de qualificação ou se configuram como trabalho não especializado serão terceirizadas, especialmente nas categorias profissionais em que as convenções coletivas proporcionaram avanços salariais e benefícios significativos, como vale alimentação e refeição, auxilio creche, ampliação da licença maternidade, entre outras.

A aplicação destes instrumentos se restringirá aos(às) trabalhadores(as) cuja atividade é definida pela empresa como essencial para o seu negócio, transferindo o restante para uma prestadora de serviços cuja atividade econômica não corresponderá necessariamente a mesma da tomadora de serviços. Nesse movimento serão os jovens e as mulheres os primeiros a terem seus postos de trabalho eliminados, as mulheres por estarem nas ocupações mais facilmente transferíveis e os jovens porque seu ingresso no mercado de trabalho se dará através de uma terceirizada. Atualmente 30% das mulheres ocupadas no Brasil recebem até 1 salário mínimo, enquanto que entre os homens o percentual de 20%.

Portanto, em um primeiro momento serão mais afetados(as) os(as) trabalhadores(as) que estão ocupados(as) em categorias profissionais que por força da convenção ou de acordos coletivos conquistaram mais direitos e benefícios embora se encontrem nas tarefas menos qualificadas, condição em que se encontra a maior parte das mulheres. Portanto, é da própria lógica do capital desordenar continuamente a organização das empresas. A força de trabalho é deslocada na medida em que certas qualificações se tornam desnecessárias. As empresas investem em estruturas que privilegiam empregos dominados por alta qualificação e alta produtividade e terceirizam as ocupações pouco qualificadas e de baixa produtividade e com isso excluem parcela dos trabalhadores e das trabalhadoras da distribuição do crescimento da renda nacional.