A pesquisa Sem Parar 2025: o trabalho e a vida das mulheres 5 anos depois do início da pandemia foi realizada pela SOF Sempreviva Organização Feminista e a Gênero e Número (GN), com apoio do Ministério das Mulheres, e parceria com a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), entre outras organizações. Entre os meses de julho e agosto de 2025 foram levantados dados de mulheres de todo o Brasil sobre como as dinâmicas de redução de renda e perda de vínculos de trabalho durante a pandemia se reorganizaram. A pesquisa também abordou questões relacionadas aos cuidados comunitários e ao trabalho doméstico e de cuidado que as mulheres realizam de forma não remunerada.
A pesquisa foi lançada em um seminário nacional, ocorrido nos dias 10 e 11 de dezembro de 2025 no Sindicato dos Bancários, em São Paulo, e organizado pela SOF, GN, Núcleo Trans Unifesp e com apoio do Ministério das Mulheres e da Unifesp.
A programação do evento incluiu mesas redondas, a apresentação dos dados da pesquisa e oficinas de aprofundamento das análises. No primeiro dia, a mesa de abertura discutiu como está o debate sobre cuidados hoje no Brasil, seguida da apresentação dos dados e do lançamento do portal virtual, e uma mesa sobre sujeitos e métodos da pesquisa. No segundo dia, foram realizadas oficinas de análise coletiva sobre envelhecimento e cuidados, trabalho remunerado e cuidado, e cuidado no âmbito comunitário. O evento se encerrou com uma mesa sobre como a construção das agendas políticas dos movimentos e das políticas públicas, com olhar para o Plano Nacional dos Cuidados.
O portal virtual abriga os dados da pesquisa, um relatório de análise, artigos de análise e entrevistas com lideranças de movimentos. O objetivo foi investigar como estão organizadas as dinâmicas de trabalho remunerado, doméstico e de cuidado na vida das mulheres brasileiras hoje. “A pesquisa reuniu números importantes para movimentos sociais e administração pública elaborarem políticas públicas”, afirma Beatriz Schwenck, que coordenou a pesquisa pela SOF.
Dados apontam persistência da sobrecarga
Natália Leão, da Gênero e Número, apresentou os primeiros resultados da pesquisa. “A quantidade de horas semanais trabalhadas mostra como é grande a quantidade de mulheres que trabalha 40h ou mais. As mulheres trabalham mais e os salários não acompanham”, destacou. Os dados revelam que 43% das mulheres ainda são as únicas responsáveis pelo trabalho doméstico, chegando a 48,6% entre as mulheres rurais.
Em relação aos sentimentos, o cansaço e as dores físicas foram os mais relatados de forma intensa, especialmente entre mulheres negras. “Persistem as desigualdades de gênero, raça e classe no trabalho remunerado, doméstico e de cuidado. A sobrecarga das mulheres, especialmente em tarefas não remuneradas, ainda é uma realidade”, sintetizou.
Marilane Teixeira, professora e pesquisadora do Instituto de Economia da Unicamp, destacou elementos que impulsionam a centralidade dos cuidados hoje. “Mudanças demográficas, crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho e das chefias femininas nos domicílios reduzem a disponibilidade para o cuidado. O arranjo ‘homem provedor e mulher cuidadora’ não existe mais — no Brasil nunca existiu, porque nunca tivemos Estado de bem-estar social no modelo europeu”, analisou. Ela chamou atenção para a necessidade de pensar sobre as ocupações socialmente relevantes e que o Estado tem obrigação de garantir infraestrutura física e social para as ocupações de cuidado, contratar e criar empregos.
Cuidado como direito e responsabilidade coletiva
Rosane Silva, da Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Políticas de Cuidado do Ministério das Mulheres, trouxe o debate sobre o Plano Nacional de Cuidados. “A Sem Parar traz dados para apoiar políticas públicas, mostrando como a pandemia aprofundou desigualdades, como está organizada a sobrecarga de trabalho e quais barreiras impedem que nós mulheres possamos acessar, permanecer e ascender no mercado de trabalho”, afirmou.
Ela destacou que 51% das mulheres são responsáveis pelo sustento das casas e reforçou a necessidade de políticas estruturantes. Apresentou ações previstas no Plano Nacional de Cuidados, como as “cuidotecas”, espaços para contraturno escolar de crianças, e mencionou parcerias, como a implantação de lavanderias coletivas com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a ampliação do atendimento aos idosos com o Ministério da Saúde.
Rosane chamou a atenção para falsas soluções e disputas no âmbito das políticas de cuidados. Um exemplo é a proposição de projetos de lei para pagar uma “bolsa cuidadora” a mulheres que já cuidam, levando-as para dentro das casas e responsabilizando-as por toda a execução do trabalho e das políticas de cuidado. “É preciso olhar para raça e território, que moldam essa desigualdade, para criar políticas públicas estruturantes que mudem de fato a vida das mulheres”, disse.
Miriam Nobre, da SOF, também chamou atenção para os riscos de mercantilização do cuidado. “Precisamos ficar atentas às políticas de financeirização do cuidado, que transformam essa dimensão essencial da vida em mais uma negociação”, alertou. Sobre as mulheres rurais, Miriam destacou que, mesmo sendo número menor na pesquisa, elas mostram a importância dos espaços comunitários de cuidado: “as mulheres rurais nos trazem lições importantes sobre organização comunitária e alternativas ao modelo de mercado”.
Territórios e movimentos sociais como alternativas
Adriana Vieira, da Marcha Mundial das Mulheres, trouxe a perspectiva da economia feminista situada nos territórios. “O trabalho de cuidado é racializado. Há interrelação entre classe, trabalho e raça. Precisamos avançar a partir daquilo que está fincado nos territórios, sem romantizar ou associar ao amor”, afirmou. Ela destacou iniciativas comunitárias que permaneceram após a pandemia, como campanhas de solidariedade e redes de trocas e doações apoiadas por compras governamentais no Rio Grande do Norte. “Apresentamos uma semente de modelo possível”, disse.
Vitória Régia, da Gênero e Número, reforçou a metodologia da pesquisa. “A Sem Parar mostra a desproteção a partir de metodologia que une nacional e território. A pesquisa dialoga com a vida real das mulheres, não com abstrações. Precisamos traduzir o dado em incidência”, explicou. Ela destacou que o portal foi desenvolvido para que qualquer pessoa possa usar os dados e que a perspectiva de metodologia ética engloba segurança informacional, privacidade e respeito ao tempo das participantes.
Debates coletivos apontam caminhos
O debate trouxe experiências concretas de luta e organização nos territórios. Foi relatada a conquista da equiparação salarial entre professoras do fundamental 1 e 2 em Ilhabela, uma disputa que ocorre em todo o Brasil e reflete como o trabalho mais voltado ao cuidado, feito majoritariamente por mulheres, é desvalorizado mesmo dentro da educação pública. No Rio Grande do Sul, hortas comunitárias e cozinhas solidárias foram fundamentais durante as mudanças climáticas.
O lançamento do portal virtual Sem Parar 2025 marca o início da divulgação da pesquisa, que reúne números importantes para movimentos sociais e administração pública elaborarem políticas públicas. A pesquisa pode ser utilizada em formações, debates e na construção de agendas políticas dos movimentos sociais. Como destacado no seminário, é preciso que o Estado assuma responsabilidade na elaboração de políticas públicas estruturantes que liberem o tempo e a sobrecarga das mulheres, reconhecendo o cuidado como direito e responsabilidade coletiva, e não como mercadoria.













































