Publicação da Fundação Rosa Luxemburgo fala da importância das lutas das mulheres pela preservação da terra, das águas e dos recursos naturais
A Sempreviva Organização Feminista (SOF) participou no sábado, 7 de junho, do lançamento do livro “Mulheres em Defesa do Território, Corpo, Terra, Águas”, publicado pela Fundação Rosa Luxemburgo e Editora Funilaria, com organização de Elisangela Paim e Fabrina Furtado. O livro traz textos escritos por mulheres que lideram a defesa de seus territórios e corpos contra o avanço destrutivo do agronegócio, da mineração e de outros projetos capitalistas. O prefácio é de Silvia Federicci, intelectual feminista e marxista, que fala da importância das lutas das mulheres pela preservação da terra, das águas e dos recursos naturais. A atividade aconteceu no Sesc de Registro, no Vale do Ribeira (SP), dentro da programa “Territórios do Comum”.
Larissa Santos leu o poema “Vozes-Mulheres”, de Conceição Evaristo. Larissa é da articulação Justiça nos Trilhos e falou sobre o garimpo ilegal e a exploração de minério de Carajás, no estado do Pará, mas que impacta centenas de comunidades no Maranhão. Foi exibido vídeo mostrando como o trem da companhia mineradora Vale percorre 892 quilômetros deixando um rastro de contaminação da água, solo, ar, causando ruído e rachaduras nas casas. “São toneladas de minério que geram recursos para a Vale e deixam nada para a comunidade, só doença e destruição”, contou Larissa.
“De cinco anos para cá nossa produção diminuiu 80% porque, enquanto estamos esperando madurar o produto, eles estão colocando veneno e o produto amadurece antes. Passarinhos, animais morrem com agrotóxicos”, compartilhou Maria Adriana, dirigente quilombola da Associação Sementes da Terra e do Sindicato de Trabalhadores/as Rurais da cidade de Açailândia (MA), falando sobre como o monocultivo de soja avança no território e expulsa as comunidades tradicionais. Ela denunciou o grau de violência contra as mulheres, as constantes ameaças de morte, o trabalho em condições de escravidão, sobretudo da juventude, precarizado e sem direitos.
Elisângela Paim destacou que o livro é dedicado a Anacleta Pires da Silva, liderança quilombola de Santa Rosa dos Pretos, no Maranhão, que ancestralizou em setembro de 2024, deixando um legado de luta em defesa do território.


Políticas de financeirização da natureza
Nilce de Pontes, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e presidente da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (Rama), denunciou o uso da estrutura pública a serviço do capital financeiro: “Tem acontecido conosco e está mais acirrado. Começamos a perceber a mercantilização dos conhecimentos e das práticas pela estrutura do estado, como pequenos projetos que vêm cooptar lideranças no território para desenvolver projetos de economia verde”. Nilce escreveu junto com Natalia Lobo, da equipe técnica da SOF e militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), o texto “Economia Verde, compensação ambiental e financeirização da natureza: ameaças e resistências das mulheres no Vale do Ribeira”, que integra a publicação.
“Neste segundo livro falamos bastante sobre a dita economia verde, a conservação ambiental e os conflitos que traz para o território”, explicou Natalia. “Projetos de Redd [redução das emissões por desmatamento e degradação florestal] e mercado de carbono são projetos ambientalistas que parecem bons para quem não conhece o assunto mas que tiram direitos das comunidades”, completou. Ela destacou como as matas são mais preservadas justamente onde as comunidades tradicionais vivem e plantam e isso atrais projetos como os de PSA [pagamentos de serviços ambientais] e propostas de TBC [turismo de base comunitária] que chegam em pacotes fechados com imposições para as comunidades. “Pode ter TBC, sim, mas precisa ser construído por nós, não de forma imposta. O primeiro direito que as comunidades precisam é o direito à terra, a regulação, a segurança fundiária e isso continua sendo historicamente negado. Chegam mil projetos, mas a terra mesmo nunca chega”, afirmou Natalia.
O texto de Nilce e Natalia fala ainda sobre a experiência da Rama e da Esparrama – rede de comercialização que é fonte de renda muito importante para as mulheres da Barra do Turvo, no Vale do Ribeira. Elas mostram como são criadas alternativas para permanecer nos territórios da forma que querem, sem aceitar os projetos que vêm de fora como única possibilidade de viver e, ao mesmo tempo, inspirando companheiras de outros territórios nessas criações das mulheres.
Já a professora Fabrina Furtado, do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), destacou as preocupações com a recém aprovada lei de mercado de carbono e as implicações reais nos nossos territórios, assim como o debate sobre transição energética “que não é nada justa como vemos com o impacto de eólicas no Ceará”. Fabrina falou ainda da experiência a partir da universidade, lugar onde se produz conhecimento que legitima processos discutidos e que precisa ser disputado. “Há diferentes formas de produzir conhecimentos, tem muitos saberes em diversos territórios”, afirmou. Ela também destacou as diferentes violências contra as mulheres. “Um exemplo é dizer que as mulheres são contra o desenvolvimento, dizer que a luta no território é contra algo e não a favor. Vemos não só a invisibilização das lutas como a tentativa de desqualificar e diminuir essa luta. Isso gera negação de direitos, intensificação de violência doméstica, ameaças de criminalização. Há um pacto da masculinidade entre homens e donos das empresas que têm projetos para mulheres mas não chamam elas para consulta, só os homens, excluindo as mulheres do processo de decisão e de fala”.
Sarah Luiza Moreira apresentou o artigo “Encurraladas pelo agronegócio: conflitos e resistências vivenciadas por mulheres em territórios de comunidades camponesas”, onde fala sobre a experiência das mulheres do assentamento Zé Maria, liderança assassinada que lutou intensamente contra os agrotóxicos e que denunciou a pulverização aérea de veneno. “Essa luta resultou em aprovação de lei estadual que proibia essa prática e que virou referência para vários lugares no Brasil. A disputa continua porque agora o agronegócio tenta burlar a lei permitindo pulverização com drones”, contou Sarah.. “Mostramos como esse acampamento tem luta para produção saudável e está cercado pela fruticultura, que usa agrotóxicos e que cerca e encurrala para que as famílias saiam do território. As mulheres denunciaram o processo e trouxeram suas resistências baseadas na produção agroecológica, diversa e como fazem para essa produção chegar na cidade, mostrar o que produzem e atrair pessoas para que visitem e conheçam a realidade dos territórios. A estratégia de resistência das mulheres é produzir alimento saudável, levar do campo para a cidade e assegurar soberania alimentar”, finalizou.


O livro na íntegra está disponível para baixar no site da Fundação Rosa Luxemburgo. Baixe aqui.
VOZES-MULHERES
Conceição Evaristo
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.