Atividade aconteceu em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente

Agricultoras, indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhas e militantes de diversas organizações participaram na quinta-feira, 5 de junho, da Plenária do Bioma Mata Atlântica rumo à Cúpula dos Povos da COP30. O encontro aconteceu em Registro, no Vale do Ribeira (SP), território ancestral de resistência contra o colonialismo e defesa da democracia e um dos principais remanescentes do bioma Mata Atlântica no país.

As lideranças participantes vieram de diversos municípios dos estados de Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, além do Acre, Maranhão e Rio Grande do Sul. No período da manhã, um painel conduzido pela Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e Coalizão Negra de Direitos, ISA, Instituto Caiçara da Mata Atlântica e o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais (FCT) do Vale do Ribeira, conversou sobre os desafios rumo à Cúpula dos Povos, a ser realizada em novembro deste ano, em Belém do Pará.

No período da tarde, os participantes se reuniram em grupos de trabalho para discutir os seis eixos da Cúpula dos Povos:
Eixo I. Territórios vivos, Soberania Popular e Alimentar
Eixo II. Reparação histórica, combate ao racismo ambiental e ao poder corporativo
Eixo III.Transição Justa, Popular e Inclusiva
Eixo IV. Contra as opressões, pela democracia e pelo internacionalismo dos povos
Eixo V. Cidades justas e periferias urbanas vivas
Eixo VI. Feminismo popular e resistências das mulheres nos territórios

“Como MMM, trazemos a importância da luta dos povos, do internacionalismo e da solidariedade como parte da pauta ambiental”, destacou Natália Lobo. “Fazemos um debate amplo contra a indústria da guerra, uma das mais poluentes e que mais contribui para os efeitos das mudanças climáticas, e contra as big techs, rosto do capitalismo hoje, que têm se expandindo muito e controlado nossa vida e aumentado o consumo de energia global”.

A partir dos debates, foi elaborado um documento síntese de aporte ao processo de mobilização e preparação rumo a Belém que será em breve divulgado. Entre os pontos destacados, está a denúncia da apropriação dos discursos dos movimentos sociais por setores que representam o agronegócio, as mineradoras, a especulação imobiliária e as corporações do setor financeiro e energético que, ao mesmo tempo, promovem falsas soluções, insuficientes para deter a crise ambiental, como os mercados de carbono.

Lideranças dos povos tradicionais reforçaram a demanda pelo reconhecimento formal dos territórios das comunidades que mantiveram e seguem mantendo as matas e florestas em pé, muitas delas situadas em áreas de unidades de conservação. Outro problema grave enfrentado na região é a pulverização aérea de agrotóxicos, que contamina as produções os cursos de água e atinge diretamente a saúde da população.

A plenária encerrou com o chamado à participação ampla e compromisso de que todos e todas construam o processo de debate e mobilização rumo à Cúpula dos Povos em todos os territórios. Um documento de síntese foi produzido, como resultado desse debate, e pode ser acessado aqui.

Leia abaixo o relato de Dauro Marcos do Prado, caiçara do Instituto Caiçara da Mata Atlântica na íntegra:

Dauro faz parte de diferentes movimentos de povos e comunidades tradicionais no Brasil e relatou as lutas feitas pelos caiçaras, comunidade tradicional que vive no litoral do Paraná, São Paulo e sul do Rio de Janeiro, reconhecida pelo estado brasileiro pelo Decreto 6040/2007 e integra o CNPCT (Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais) criado pelo decreto 8750/16.

“A luta caiçara é pelo direito de permanência ao território, com aceso às políticas públicas de educação diferenciada, pesca, roça e ondas atividades que garantem dignidade às comunidades. A luta se iniciou contra a especulação imobiliária a partir da década de 1970 e pautou as dificuldades trazidas pela instalação de unidades de conservação sobre a maioria dos territórios das comunidades do Vale do Ribeira, que gerou situação até hoje não resolvida, expulsando nosso povo dos lugares que sempre viveram. Não somos contra a unidade de conservação, mas contra a forma como foi feito e como essas unidades hoje estão sendo privatizadas e entregues à empresas que não tem nenhum compromisso com o território, e em nome do meio ambiente, matam o povo para depois mercantilizar a Mata Atlântica”.

Ele destacou a importância de juntar a luta dos povos e lembrou como no Vale do Ribeira inicialmente fizeram as lutas contra as barragens e como o movimento foi crescendo e passou a incorporar outras lutas, incluindo a educação diferenciada, direitos das comunidades, sobreposição das unidades de conservação de proteção integral em territórios tradicionais, criminalização das práticas tradicionais e outras ameaças como a mineração e o racismo ambiental. E, a partir daí, uma das propostas que surgiu e se consolidou foi a de criação do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira – FPCT- VR que reúne indígenas, quilombolas, caiçaras e caboclos – o que fortaleceu a luta e o conhecimento entre os territórios.

Dauro também denunciou que há uma lei estadual de concessão de Unidades de Conservação em São Paulo que prevê a entrega de 25 unidades de conservação por 30 anos para a iniciativa privada e que o FPCT- VR se constituiu para fazer esse embate também.

“É muito importante se juntar em uma só força e aprender uns com os outros para lutar pelo marco legal que reconheça todos territórios. A luta por garantia de território é a maior luta dos povos e comunidades tradicionais porque sem território, os povos e comunidades tradicionais não podem dar continuidade a seus modos de viver e tudo que isso envolve, como por exemplo a domesticação da Mata Atlântica que cria paisagem, cultiva, e não destrói. Seja para fazer roça, pilão, moenda, roda, canoa, tirando do lugar certo na hora certa e sabendo fazer o manejo”.

Ele contou que integraram a Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT desde o início e junto com outros povos e comunidades tradicionais foram entendendo e aprendendo com cada um desses povos e sua atuação em cada bioma que vivem (Cerrado, Amazônia, Pantanal, Caatinga, Pampa, Mata Atlântica e o Maretório). Explicou que inspirados nos povos indígenas e quilombolas, os caiçaras criaram a Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras – CNCTC, junto a isso, passa a existir o decreto 6040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

Para Dauro, é preciso ter garantia dos territórios, sejam eles no Vale do Ribeira ou em outras partes do Brasil, e que o lugar onde estão os povos e comunidades tradicionais é onde a natureza está mais preservada por conta de seus modos de vida. Justamente nestas áreas que foram criadas as unidades de conservação de proteção integral, onde a natureza já está conservada, mas que há negação e apagamento da história desses povos e suas memórias.

Em relação à Cúpula dos Povos frente à COP 30, ele informou que fizeram um encontro entre Fóruns no Vale do Ribeira e entenderam que a cúpula não é só dos povos e comunidades tradicionais, mas tem outros parceiros e é importante estar nesse processo. Falou sobre a criação em 2024 da Aliança dos Povos e Comunidades Tradicionais em defesa da Mata Atlântica, que fará encontro em Sergipe e tem na pauta o assunto sobre a participação e incidência na Cúpula dos Povos e COP 30.

“Precisamos ir pra Cúpula dos Povos, mas também precisamos ter representantes nossos que cheguem até a ala oficial da COP 30 , precisamos levar documentos e avançar no processo de regularização fundiária. Para isso, é necessário fazer esforços e buscar parcerias e parceiros/as para podermos ir. Não temos recursos para chegar lá e precisamos construir esse caminho. Também precisamos ter acesso mais direto ao presidente da república. O presidente Lula é nosso companheiro, mas precisamos urgentemente avançar nos processos de demarcação de terras indígenas e quilombolas e dos territórios dos demais povos e comunidades tradicionais reconhecidos pelo Estado brasileiro incluindo nos caiçaras. Só assim iniciaremos uma reparação histórica ampla”.

Por fim, falou sobre a importância das eleições para deputados/as. “Não basta votar em governo progressista se o deputado é contra nossos interesses enquanto povos e comunidades tradicionais. É preciso ter essa formação política e discutir em quem votar para garantir nosso território e não votar em quem viola e não respeita a consulta prévia, livre e informada”.

Fotos: Marco Toresin