Nesse mês de agosto, a SOF realizou diálogos sobre mulheres, trabalho e desmontes da democracia com as pesquisadoras Flávia Biroli e Barbara Castro. Para saber sobre a discussão com Bárbara, clique aqui.

No dia 19 de agosto, a SOF realizou um Encontro de reflexão sobre conservadorismo e desmontes da democracia. A atividade é parte de um projeto realizado pela SOF em parceria com a Fundação Heinrich Boll Brasil, e teve como objetivo aprofundar a análise feminista sobre a imbricação dessas duas dimensões que marcam o ascenso da extrema direita no país. A discussão contou com a presença de Flávia Biroli, que é professora da UNB, pesquisa gênero e política, e tem se focado na análise das reações conservadoras contra a “ideologia de gênero”.

Nalu Faria introduziu a discussão retomando as análises que desde 2014 marcam a intervenção da SOF, identificando conexões entre o avanço neoliberal e conservador sobre o trabalho, os territórios e os corpos das mulheres. Os desafios de aprofundar a análise e a compreensão sobre essas articulações são fundamentais para fortalecer a resistência e o enfrentamento a hegemonia da extrema-direita, ao mesmo tempo em que essa análise permite avançar no debate em espaços de esquerda que insistem em tratar a agenda feminista como algo comportamental e não estrutural.

Flávia iniciou sua apresentação apresentando um panorama da história recente do conservadorismo no Brasil e na América Latina, destacando como se fez presente no impeachment de Dilma Rousseff, na votação no referendo sobre o acordo de paz na Colômbia e nas últimas eleições brasileiras. Esses são alguns exemplos concretos relacionam o conservadorismo com mudanças substantivas no sentido de desmontes na democracia.

Muitas pesquisas brasileiras e internacionais tem buscado explicar essas transformações, por exemplo Nancy Fraser, que considera haver uma crise administrativa e de legitimidade estreitamente vinculada à financeirização do capitalismo. Nesse momento, o conservadorismo se apresenta, com novas roupagens, como uma resposta à crise.

Segundo Flavia, foi esse mesmo conservadorismo que, rapidamente, atribuiu a noção de gênero a debates que não são do feminismo. Esse movimento de setores da direita teve a função de construir uma identidade política conservadora, em oposição ao feminismo e às lutas em defesa da sexualidade livre. Tal identidade política se constrói com força pelo discurso da família tradicional, heteropatriarcal, e pela união de grupos ligados a diferentes denominações religiosas. Como exemplo, Flávia retomou discurso do Papa Francisco no Encontro Mundial da Juventude, quando desqualificou a luta feminista ao mencionar a “ideologia de gênero”. Hoje, o conceito de “ideologia de gênero” aparece no governo de Bolsonaro, sendo “combatida” em pelo menos três ministérios. Ao mesmo tempo, a expansão do feminismo tensiona com essa posição, atuando para desnaturalizar as hierarquias de gênero e enfrentar as violências e desigualdades desse sistema.

Muitos elementos foram trazidos pelas participantes dessa reflexão coletiva. Entre eles, destacam-se as relações entre a democracia liberal-formal e a manutenção das desigualdades, que permitem complexificar a discussão sobre os dilemas das lutas democrático-populares nos tempos de hoje; a forma como uma razão neoliberal tem se expandido na sociedade, reforçando perspectivas individualistas de tornar as mulheres empreendedoras de si para ‘dar conta’ de articular seu acesso à renda com a intensificação de responsabilidades atribuídas à elas de cuidado, trabalho doméstico e família. E, nesse sentido, a importância de compreender como discursos feministas que mobilizam experiências de classe média não apenas ocultam a maior parte das mulheres, mas podem reforçar as desigualdades de raça e renda que estruturam as relações sociais.

A compreensão de que as mudanças e retrocessos em curso não apenas voltam a um tempo passado, mas indicam um modelo que o capital quer fortalecer, coloca desafios para a atuação feminista anti-sistêmica, para enfrentar esta conjuntura e capilarizar-se como a alternativa à crise para as mulheres trabalhadoras. Esse conjunto de questões indicam a necessidade de seguir aprofundando os debates entre movimentos sociais e pesquisadoras.