Mais de 140 mulheres de 17 cidades do Vale do Ribeira, Grande São Paulo e São Carlos, no estado de São Paulo, participaram nos dias 1 e 2 de setembro do seminário “Economia Feminista e Solidária: Redesenhando o Território”, realizado na cidade de Registro. Além de mesas de debates e oficinas, o evento incluiu uma feira de produtos agroecológicos e artesanatos.

As participantes vieram de diferentes lugares, entre aldeias, cidades e povoados: Barra do Turvo, Eldorado, Iguape, Itaoca, Miracatu, Osasco, Pariquera-Açu, Peruíbe, Santo André, São Bernardo, São Paulo, Registro, São Carlos, Taboão da Serra e das aldeias guaranis Tekoá Araçá Mirim, Tekoá Pindoty e Tekoá Takuari. Cerca de 70% delas eram mulheres rurais, integrantes de diferentes empreendimentos de economia solidaria (EES) e grupos produtivos, que participaram da organização do evento desde a concepção do programa até a produção dos materiais de apoio. As bolsas foram produzidas pelo coletivo de mulheres costureiras ‘Novo Velho Jeans’, de Registro, e os crachás e blocos, pelo Recriarte, de São Carlos.

Território, ameaças e desafios
A mesa “Território, Ameaças e Desafios” abriu os debates na manhã de sexta, 1o de setembro e identificou como uma grande ameaça ao território do Vale do Ribeira o discurso de “economia verde”, que vem transformando a natureza e nossos territórios em mercadorias que são comercializadas como tal. Isso acontece por meio de dois instrumentos principais: o TEEB, sigla para Economia dos Ecossistemas e da Diversidade e o REDD (sigla em inglês para Redução de emissões por desmatamento e degradação florestal). No caso do REDD, por exemplo, uma empresa compra o “direito” de poluir em um lugar mediante a criação de um projeto de preservação em outro lugar, em geral, em áreas de floresta ou de preservação ambiental.

“O efeito nos territórios de instrumentos como esse são contratos com comunidades e populações que sempre conviveram com a natureza e que passam a não poder mais manter seus modos de vida e a ter maior dificuldade para a demarcação de seus territórios”, explica Tica Moreno, da SOF.

Os contratos são de 15 ou até 99 anos e negociados em condição de muita desigualdade, com pouca informação, falsas promessas de trabalho e renda, ameaças e cooptação.

Os projetos de barragens no Rio Açungui, que forma o Rio Ribeira no Paraná, a usina em Itaoca e a termoelétrica em Peruíbe e o discurso de que o Vale do Ribeira é pobre foram outras ameaças identificadas no debate. Ivy Wiens, do Instituto Socioambiental (ISA), afirmou que o Vale é riquíssimo e a diversidade de sua população – caiçara, indígena, quilombola, cabocla – é guardiã dessa riqueza, principalmente as mulheres. “O discurso da pobreza do Vale tem o objetivo de tirar a população do território, de abafar a agricultura familiar produtiva e de fazer barragem, mineração e agronegócio”, afirmou Ivy.

Ela destacou que ter Unidades de Conservação para preservar a natureza não é ruim. “No entanto, no Vale proibiu-se às comunidades de entrar e viver seu modo de vida tradicional, um modo que realiza essa conservação naturalmente”. E chamou atenção também para o fato de que as comunidades são jogadas umas contra as outras utilizando-se para isso os fiscais da Polícia Ambiental, que são da própria população.

Nilce Pontes Pereira, da Coordenação Nacional de Articulações das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, CONAQ, do quilombo Ribeirão Grande, apontou que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Decreto de Titulação Quilombola, elaborada pelo partido Democratas, é outra ameaça a enfrentar já que coloca em risco tanto a regularização e demarcação de territórios quilombolas como complica a situação de quilombos que já conquistaram seu título. Ela destacou que os projetos de usinas e de mineração colocam em risco todas as comunidades inseridas nas margens dos rios e, principalmente, quilombolas e indígenas e denunciou a criminalização do modo de vida tradicional: “Na minha comunidade, todos são considerados criminosos por causa do seu modo de produção. Por exemplo, não abrimos mão do fogo controlado. Não podemos desvincular a produção do nosso sustento da nossa ancestralidade. Mas temos costumes e regras claras para esse uso do fogo”, acrescentou.

Desde o plenário, houve intervenções compartilhando outros exemplos de como projetos são utilizados para manipular o povo; do ambiente de fiscalização e controle que ronda as comunidades e afeta o trabalho de organização das mulheres; de como fazer na prática para que a noção de povos e comunidades tradicionais também incluam a índios desaldeados, povos de matriz africana e comunidades de terreiro; como acolher a jovens que vão viver em comunidade no campo; a necessidade de organizar lutas por políticas públicas de qualidade na saúde, na educação e nos sistema de seguridade social que respeitem os conhecimentos das comunidades tradicionais.

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Alternativas e a organização das mulheres
Lutar contra o capitalismo verde, conectando todas as resistências que existem foi o desafio comum identificado pelas participantes do primeiro debate. Isso se realiza ao mesmo tempo em que aprofundamos o desenvolvimento de outras formas de vivências no território, fundadas na agroecologia e na economia solidária, assim como nossa organização como mulheres. Esses foram assuntos tratados durante a mesa de debate “Alternativas e a organização das mulheres”, realizada na tarde do dia 1o de setembro.

A agroecologia se refere a práticas que aproximam a agricultura da natureza e recuperam práticas tradicionais. Um princípio da agroecologia é: recuperar o que é bom, ressignificar o que não foi bom. “É preciso transformar também as relações, não só o modo de produção. Não adianta um homem falar de agroecologia numa reunião e depois em casa bater na mulher”, destacou Liliam Telles, do grupo de trabalho (GT) de mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM).

Autonomia, mais tempo para si mesma e para a família, uma vida mais saudável, com mais qualidade, e mais igualdade. Essas são características da Economia Solidária, apresentada como uma nova forma de existir e organizar as relações econômicas na sociedade, que implica a muitas mulheres. “O que a gente faz não é completar a renda, mas sim trabalhar e gerar renda. Um exemplo: eu trabalho com alimentação, então pego a matéria-prima de pessoas da agroecologia e faço disso uma comida de qualidade”, explicou Elaine Souza, da Amesol.

A auto organização das mulheres seja no movimento agroecológico, no de economia solidária ou na Marcha Mundial das Mulheres foi destacada como um aspecto fundamental para avançar nossas alternativas. “No movimento agroecológico, isso tem permitido reconhecer os saberes e os conhecimentos das mulheres, falar da vida com as palavras, tempos e formas que temos e nos abrir para novas possibilidades, algo que não acontece em espaços mistos”, lembrou Lilian.

Já Elaine destacou que para além de buscar formas de escoar sua produção, “a Amesol é também lugar de afeto, de solidariedade e de confraternização”.

Rosana Rocha, da MMM em Registro, explicou como a MMM se organiza para que a voz das mulheres de diferentes contextos, do campo e da cidade, de todas as localidades do mundo seja ouvida. “A unidade na luta das mulheres se cria pela empatia entre as mulheres, conhecendo a história de vida, a cultura e a realidade de cada uma. Em Registro, a Marcha tem realizado ações para denunciar a violência sexista e, em conjunto com outros movimentos sociais, reagido à perda de direitos trabalhistas e da previdência social e os riscos das privatizações”, explicou.

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Trabalho em grupos
O dia de debates terminou com trabalhos em grupos em que as participantes discutiram os conteúdos, fazendo relação com a vida de cada uma e de sua comunidade e apontando caminhos para construir e afirmar alternativas. Estes mostraram a valorização da rica diversidade dos agroecossistemas e das populações do Vale do Ribeiro, o trabalho, o conhecimento e a contribuição econômica das mulheres. Também retrataram adversidades como a política ambiental que exclui as comunidades e o controle sobre as populações, e, em grande peso, a violência contra as mulheres e o ataque à sua vontade própria, à livre expressão de seus desejos e projetos. Como saída, os grupos apontaram a ação coletiva das mulheres organizadas e capazes de entender e acolher as mulheres em situação de violência.

Feira de Produtos Agroecológicos e Artesanato
No segundo dia do evento aconteceu a Feira de Produtos Agroecológicos e Artesanato, que funcionou das 10 até às 16 horas e contou com mais de trinta grupos de expositoras: Associação dos Agricultores Familiares de Pariquera-Açu (Agrifapa), Amesol ( região metropolitana de São Paulo, com várias barracas de artesanato), Artesãs de Iporanga, Artesãs de Miracatu, Artesãs guaranis das tekoás Araçá Mirim / Pindoty / Takuari, As Margaridas (Bairro Indaiatuba), As Marquês (Quilombo Ribeirão Grande), As Perobas (Quilombo Terra Seca), Barra do Turvo, Coletivo Artemísia (Cananeia), Grupo Esperança (Bairro Bela Vista), Iporanga (coletivo de artesãs), Mulheres Agricultoras de Itaoca, Mulheres do Bairro Conchas, Mulheres do Bairro Rio Vermelho, Mulheres do Cedro (Quilombo Cedro), Novo Velho Jeans (Registro), Quilombo Peropava (Registro), Quilombo Terra Seca, Rosas do Vale (Córrego da Onça), União de Mulheres Agricultoras – UMA (Peruíbe), União de Mulheres de Peruíbe (UMP).

Durante a feira ainda foram realizadas quatro oficinas práticas que abordaram as PANCs – Plantas Alimentícias Não Convencionais – e seus benefícios para a sustentabilidade e a saúde; a produção de mudas de hortaliças e frutas; a fitoterapia e o uso de plantas em chás, pomadas, tinturas e xaropes com base no saber tradicional popular, e o reaproveitamento da fibra de bananeira, com orientações sobre métodos de retirada e técnicas de trançados.

As atividades foram organizadas pela Sempreviva Organização Feminista (SOF), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Associação de Mulheres e Economia Solidária (Amesol), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), e tiveram o apoio do Fundo Newton do Conselho Britânico, Fundação de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Universidade Federal de São Carlos – FAI, Ministério do Trabalho e SESC Registro.

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

Foto: Rita Magalhães

cartaz