Por Sonia Coelho

No Brasil, como resultado do debate feminista desde os anos 1980, lutamos para que o Estado implementasse políticas públicas com o objetivo de combater as desigualdades e diferentes formas de discriminação sofrida por mulheres, negras e negros e demais setores da sociedade.

Isto porque compreendemos que o Estado não é neutro em relação a essas desigualdades e que, ao não implementar políticas para revertê-las, acaba reforçando a desigualdade e discriminação em relação às mulheres e à população negra. Tais desigualdades são estruturantes do conjunto das relações sociais e, portanto, exigem mudanças econômicas, políticas e sociais.

Defendíamos, e defendemos até hoje, a criação de um organismo com autonomia política e econômica para propor e articular políticas para as mulheres. Por isso, a criação da Secretaria Nacional de Política para as Mulheres, com estatuto de Ministério, em 2003, durante o governo Lula, foi uma vitória para as mulheres.

Nossa compreensão é que o desafio atual é justamente o de consolidar e avançar na institucionalização das políticas pela igualdade das mulheres e contra discriminação racial no conjunto do governo.

Nesse sentido, a notícia veiculada por alguns meios de comunicação de que, como parte de uma reforma administrativa nos marcos das políticas de ajuste, existe a proposta de reunir a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em um único Ministério dos Direitos Humanos significa um retrocesso político inaceitável.

O Brasil vive uma crise que é fruto dos problemas estruturais do capitalismo internacional, mas também é uma crise politica estimulada e fomentada por setores reacionários e da burguesia que querem, a todo custo, impor sua agenda e poder. É em resposta a este processo que nos indignamos e reafirmamos: nós mulheres não vamos pagar pela crise! Quem precisa de ajuste são os ricos! Queremos taxação para as grandes fortunas, proteção e ampliação dos empregos para as mulheres, reforma política com participação social e popular.

Neste ano, nós brasileiras estamos organizando as conferências municipais e estaduais de políticas para as mulheres , rumo à Conferência Nacional. Com o tema “Mais direitos, participação e poder para as mulheres”, a Conferência trará os seguintes eixos: “Contribuição dos conselhos dos direitos da mulher e dos movimentos feministas e de mulheres para a efetivação da igualdade de direitos e oportunidades para as mulheres em sua diversidade e especificidades: avanços e desafios”; “Estruturas institucionais e políticas públicas desenvolvidas para as mulheres no âmbito municipal, estadual e federal: avanços e desafios”; “Sistema político com participação das mulheres e igualdade: recomendações”; e “Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres: subsídios e recomendações”.

No momento em que se discute como construir e implementar o Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres, eixo proposto pela SPM em conjunto com a sociedade civil, nos parece contraditória e injustificável a suposta proposta de desmonte da SPM e de outros organismos de enfrentamento às desigualdades sociais.

Esta proposta não condiz com a necessidade de aprofundar a democracia no país, repartindo o poder com mulheres e população negra, e expõe o enorme fosso que ainda nos separa da construção efetiva da autonomia e da igualdade.

A ofensiva conservadora que se expressa nos meios de comunicação, no congresso e em setores do poder executivo e judiciário tem sido denunciada há tempos pelo movimento feminista. Estamos comprometidas com o processo de construção e implementação de políticas de igualdade, que promovam a autonomia econômica das mulheres e enfrentem a violência sexista no campo e na cidade. Estamos comprometidas com o enfrentamento ao racismo, com a distribuição da riqueza, da terra e do poder, e não iremos aceitar retrocessos.

* Sonia Coelho é integrante da SOF e militante da Marcha Mundial das Mulheres