Por Nalu Faria*
Originalmente publicado no Brasil de Fato

Na semana de 12 a 17 de outubro, a Marcha Mundial das Mulheres encerrou sua 5ª Ação Internacional. São 20 anos de Ações Internacionais, e cada uma delas é um momento de construção e expressão de nossas sínteses políticas, onde conectamos o local, o regional e o internacional, apresentando nossas denúncias e propostas.

Em 2020, nos propusemos a visibilizar a trajetória deste movimento antissistêmico, retomar nossas memórias coletivas de duas décadas de luta comum para avançar na construção da Marcha como um movimento permanente e em luta: feminista, anticapitalista e antirracista.

Esse é o sentido de nosso chamado: Resistimos para viver, marchamos para transformar 

A resistência à ofensiva do capital contra a vida, ao conservadorismo e autoritarismo em diferentes partes do mundo teve centralidade nesta 5ª Ação.

Mas nossa resistência marcha junto com nossas propostas e práticas de construção de força e auto-organização das mulheres, do feminismo como eixo de construção de alternativas sistêmicas. Esse é o sentido de nosso chamado: Resistimos para viver, marchamos para transformar.

A 5ª Ação Internacional foi lançada no dia 8 de março com mobilizações em mais de 30 países. Nosso chamado combinou denúncias e a afirmação de nossas respostas e do mundo que queremos e que estamos construindo.

Frente à pandemia, precisamos de criatividade para redefinir a forma de nos organizar virtualmente e seguir nossa mobilização. Também nos envolvemos com as ações locais de solidariedade em nossos territórios e assim, de forma muito concreta, posicionamos nossas respostas e práticas que colocam a sustentabilidade da vida no centro, confrontando a lógica do capital, de acumulação e de morte, que se agudiza com a covid-19.

O enfrentamento ao poder das empresas transnacionais nos une em todas as partes do mundo, mas principalmente nos territórios do Sul global. No dia 24 de abril realizamos mais uma vez as 24 horas de Solidariedade Feminista contra o poder corporativo.

Articuladas, mostramos elementos comuns que resultam do modelo atual e reafirmamos a necessidade de uma luta feminista internacional 

Ao longo desses meses, avançamos na atualização das nossas análises e ferramentas de educação popular para fortalecer a resistência às grandes empresas, que são agentes centrais na violência do capital sobre nossos corpos, trabalhos e territórios.

As atividades do encerramento da 5ª Ação, na última semana, foram descentralizadas, com dias de ações onde cada região apresentou sua síntese política e seus desafios regionais. Articuladas, mostramos elementos comuns que resultam do modelo atual e reafirmamos a necessidade de uma luta feminista internacional.

Conectamos nossos 20 anos à história das mulheres lutadoras que estão marchando há muito tempo na resistência, nas ações de rebeldia, na participação em todas as lutas por liberação, na construção cotidiana de práticas de sustentabilidade da vida. Reforçamos nossas alianças estratégicas na construção de forças e unidade na resistência e nas alternativas.

Levantamos nossas vozes para dizer que o controle de nosso corpo, nossa sexualidade e nossa subjetividade é um tema político, e reivindicamos o direito de decidir sobre nossas vidas 

Em nossa construção como sujeitos coletivos, aprendemos a escutar, a olhar, a conhecer os ciclos na natureza e da vida. Estamos atentas a tudo que passa ao nosso redor. Somos as primeiras que nos insurgimos contra os dominadores que tentam ocupar nossos territórios e contra as transnacionais que impulsionam mais exploração e expropriação.

Desafiamos e enfrentamos os que matam, torturam e fazem desaparecer muitas das nossas companheiras e companheiros.

É a partir da nossa força coletiva que levantamos nossas vozes para nomear injustiças e opressões ocultas, como a violência contra nós, mulheres. Levantamos nossas vozes para dizer que o controle de nosso corpo, nossa sexualidade e nossa subjetividade é um tema político, e reivindicamos o direito de decidir sobre nossas vidas.

Reivindicamos que a igualdade só pode ser real quando é para todas, todos, todes. Por isso, estamos em luta para desmantelar o racismo, enfrentar o neocolonialismo da exploração do trabalho, do extrativismo da natureza e dos dados, e para garantir a diversidade e pluralidade de gênero e sexualidade. Não há liberdade sem autonomia e sem soberania.

Nosso internacionalismo está ancorado na visão de que é preciso, em um só movimento, mudar a vida das mulheres para mudar o mundo 

Nomeamos como trabalho, como fato econômico, isso que fazemos todos os dias para sustentar a vida, cuidando e provendo de bens e serviços, fazendo o trabalho doméstico e de reprodução da vida. E afirmamos que não basta apenas visibilizar esse trabalho: é preciso redistribui-lo e reorganizá-lo.

Seguimos os princípios da interdependência e ecodependência, que sustentam a vida em comum e precisam orientar as transformações necessárias na produção, na reprodução social.

É por esse caminho que estamos construindo nossa Marcha: tecendo redes e pontes, afirmando a necessidade do poder popular, da autogestão, de uma sociedade que produza o suficiente, que coloque a sustentabilidade da vida no centro, fortalecendo os bens comuns.

Nosso internacionalismo está ancorado na visão de que é preciso, em um só movimento, mudar a vida das mulheres para mudar o mundo. Isso significa que é preciso desmantelar as estruturas de dominação, exploração e opressão. Reafirmamos a solidariedade como eixo do internacionalismo popular, que deve vertebrar esse novo modelo que estamos lutando para construir.

Entre os dias 12 e 17 de outubro, estiveram presentes as vozes de todas as mulheres que constroem a Marcha Mundial das Mulheres. Começamos com uma Escola Internacional de Formação Feminista, em aliança com outras organizações.

Resistimos para viver, marchamos para transformar, e seguiremos em marcha até que todas sejamos livres! 

Conectamos nossas ações locais, regionais e internacional. Apresentamos as regiões do mundo com suas particularidades, a partir de uma identidade comum que se expressa em nosso projeto político de transformação. E, mais uma vez, terminamos nossa 5ª Ação Internacional com 24 Horas de Solidariedade, realizando nossa ciranda ao redor do mundo que expressa nossa força e unidade.

Estamos mais fortes e potentes, pois durante a Ação posicionamos nossas propostas de sustentabilidade da vida como respostas ao conflito entre o capital e a vida. Crescemos como movimento, estamos mais conectadas, com uma análise mais profunda que concretiza nossas propostas políticas. Resistimos para viver, marchamos para transformar, e seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!

*Nalu Faria é coordenadora da SOF e faz parte do Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres.