Nesta semana, nos dias 16 e 17, a SOF realizou, em parceria com a organização internacional Christian Aid, o seminário “Gênero e mercados inclusivos”. Com o objetivo de analisar as experiências de mulheres com alternativas econômicas e planejar novas estratégias, o evento contou com a participação de mais de 20 mulheres de diferentes regiões do país.

Estavam presentes mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da Rede Xique Xique, no Rio Grande do Norte, da APACO (Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense) mulheres Guarani Mbya de Parelheiros, Zona Sul de São Paulo, mulheres organizadas da Barra do Turvo, no Vale do Ribeira, São Paulo e representantes da Christian Aid e da Comissão Pró Índio de São Paulo.

O encontro se iniciou com uma apresentação da Caderneta Agroecológica, produzida pelo Centro de Alternativas de Tecnologia da Zona da Mata, que propõe outra dinâmica de organização das mulheres sobre sua produção. Para Miriam Nobre, da SOF, o hábito de anotar colabora para “dar a dimensão da agricultura que não é só por quantidade de sacas”. A Caderneta visibiliza a produção para autoconsumo, que muitas vezes não entra na conta da produção das agricultoras, e inclui também a quantidade dada para familiares, amigos ou vizinhos – ao mesmo tempo em que reconhece positivamente o ato de dar, também incentiva que as doações se tornem trocas.

Outro exercício debatido é o de mensurar o peso do tempo de trabalho das mulheres rurais, no qual estão incluídos tanto o trabalho produtivo quanto o reprodutivo e doméstico. “O tempo talvez seja a coisa que mais expressa nossa autonomia”, refletiu Miriam durante a atividade. Sobre o tempo de atividades políticas, também necessário, Tatiana, da Rede Xique Xique, compartilhou sua experiência: “a minha militância, devo muito ao Centro Feminista 8 de Março, que me deu coragem. A militância toma esse espaço dentro de nossas vidas, porque percebemos que outras mulheres têm que passar por esse processo de organização do tempo e garantir a autonomia. Apesar de tudo, nós, mulheres, temos esse potencial. É incrível como, neste processo, as mulheres conseguem organizar a quantidade de horas e realizar seus trabalhos” – e reitera, “aquilo que a gente faz não é ‘ajuda’, é trabalho mesmo”. Para Miriam, é necessário deixar de ter como horizonte conciliar o tempo de trabalho e de cuidado para estabelecer outras formas de organização que garantam autonomia.

Márcia, da comunidade Guarani de Parelheiros, compartilhou sua realidade: “a gente está vivendo no meio da cidade e isso, para nós, é mais difícil. O lazer da mulher não existe. Quando levanta, já tem atividade, lava roupa, cuida das crianças. Isso vem de geração”.

Desta avaliação geral, as mulheres presentes se voltaram para o compartilhamento de experiências coletivas de produção alternativa. As mulheres do MST apresentaram a dinâmica nos assentamentos, a importância da reforma agrária e da inserção do debate feminista de forma transversal em seus espaços. A avaliação também se estendeu para as dificuldades e avanços no incentivo e acesso às políticas públicas de comercialização no campo. Chiara, representante internacional da Christian Aid, compartilhou as experiências da entidade em outros países, pensando no desenvolvimento de projetos que debatam gênero a partir de uma análise feminista.

No segundo dia, as mulheres avaliaram as possibilidades e desafios para o acesso às políticas públicas, chamando atenção para a importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para assegurar rendimento para as mulheres e como aprendizado para acessar outros mercados institucionais. O PAA, porém, vem sofrendo vários ataques e redução de recursos.  Em seguida, houve espaço para a formulação, em grupos, de um plano de trabalho, olhando tanto para os desafios já apresentados de cada organização como para os desafios comuns.

O seminário se encerrou, mas suas discussões pretendem continuar nos grupos locais, para contribuir no avanço das mulheres produtoras. As próximas etapas foram sistematizadas em quatro tópicos:

1. Tripé dos desafios: produção, comercialização e organização das mulheres;

2. Construir autonomia nas esferas econômica, política e pessoal;

3. Fortalecer estratégias de comercialização, que passam por reconhecer o auto consumo, a doação, a troca, as feiras, os grupos de compra e ampliar o acesso às politicas de mercado institucional, com maior possibilidade de as mulheres terem controle sobre o próprio trabalho;

4. Alterar as relações pessoais, principalmente quando a economia envolve as famílias, identificar os retrocessos nas políticas públicas e ampliar a participação das mulheres nas organizações e movimentos.

 

Em fevereiro, será lançada uma publicação com a síntese das discussões e aprendizados do seminário.