Mais de 100 mulheres vindas de diferentes organizações e movimentos sociais de 13 estados do Brasil (Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe), além dos países vizinhos Argentina e Paraguai, participaram nos dias 9 e 10 de outubro do seminário “Feminismo contra o neoliberalismo: nossas resistências, análises e propostas”, realizado em São Paulo.

O evento foi organizado pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e Marcha Mundial das Mulheres (MMM), com apoio da Fundação Heinrich Böll Cone Sul, e foi preparatório ao Encontro Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, que acontecerá de 16 a 18 de novembro, em Montevidéu, no Uruguai.

O seminário se desenvolveu em torno a quatro mesas que buscaram aprofundar a elaboração e articulação feminista na região a partir das lutas e resistências impulsionadas pelas mulheres frente aos avanços do neoliberalismo sobre seus corpos, trabalho e territórios.

Na mesa “Feminismo contra o neoliberalismo”, na manhã do dia 9, foram apresentados e debatidos os acúmulos das lutas das mulheres no enfrentamento ao neoliberalismo, as bases políticas e teóricas que orientam nossa crítica ao modelo de desenvolvimento, à mercantilização do corpo e da vida das mulheres e os desafios feministas para enfrentar o desafio do capital contra a vida.

Lourdes Vicente, do MST, destacou como no campo as políticas neoliberais que avançam com a maior presença de grandes corporações no controle dos recursos naturais resultam na perda da terra e geram um processo de vulnerabilização das mulheres. “Grandes projetos chegam sem pedir licença, sem nenhuma informação, sem processo de discussão com as comunidades para saber se elas querem ou não aquele tipo de desenvolvimento”. Por outro lado, a ofensiva do capital no campo tem permitido buscar e construir diferentes formas de resistências locais para esse enfrentamento. “É o caso da soberania alimentar e da agroecologia, que são temas que articulam a reflexão sobre novas relações sociais de gênero, sobre a questão ambiental e o tema da saúde e do processo de adoecimento da sociedade”.

Já Nalu Faria, da SOF e da MMM, trouxe a análise de como o neoliberalismo gerou um falso discurso de igualdade para as mulheres que, na verdade, esconde o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e da divisão sexual internacional do trabalho, com a migração de mulheres do sul global para cumprir tarefas de cuidado em países do norte econômico onde muitas mulheres se inseriram no mercado. “A partir das análises e ações da MMM e da Rede Mulheres Transformando a Economia (Remte), a pobreza das mulheres passa a ser tratada pelo ponto de vista econômico, não apenas social. Ao mesmo tempo, na América Latina principalmente, desenvolvem-se alternativas como o conceito de soberania, que implica tanto a discussão sobre a autonomia das mulheres e seu direito a uma vida livre de violência, à livre sexualidade e o direito de decidir sobre a maternidade, quanto à soberania sobre territórios, soberania alimentar e definição sobre os rumos do desenvolvimento”, explica Nalu.

Não terceiriza, não precariza, são meus direitos, é pela vida das mulheres!”

Na segunda mesa do dia 9, “Trabalho e território: a resistência das mulheres contra as políticas de ajuste e o poder das empresas transnacionais”, foi feito o debate feminista sobre as reconfigurações do trabalho em tempos de flexibilização e cadeias de produção globais; as relações entre empresas e Estado no domínio e controle dos territórios e as lutas das mulheres em defesa dos bens comuns, contra o agronegócio e a violência.

A economista e assessora sindical Marilane Teixeira trouxe reflexões não apenas sobre as mudanças no mundo do trabalho especialmente após a crise de 2008 que resultou no fortalecimento do capital com a riqueza mais concentrada e o aumento da pobreza e da desigualdade. Entre os muitos dados apresentados, Marilane cita como a economia globalizada fragmentou a cadeira produtiva e aliena ainda mais as pessoas do produto de seu trabalho. “Hoje, 40% de toda produção é exportado. Assim, de cada 10 reais produzidos no Brasil, 4 vão para fora. Há 10 anos essa margem era de 30% mais ou menos. Já no setor de confecções, a produção circula por 160 países mas é consumida por apenas 30 países”, conta. Boa parte da produção é feita em zonas francas, que empregam entre 70 e 90% de mulheres, que realizam apenas uma etapa do processo, exige especialização, paciência, destreza e outras qualidades que resultam da socialização de gênero. No plano simbólico, são gerados novos conceitos liberais que, ao mesmo tempo em que transformam relações sociais em mercadorias, tentam legitimar a aceitação da precariedade na sociedade. “É o caso, por exemplo, da economia compartilhada”, conta Marilane.

A nossa luta, é todo dia, somos mulheres e não mercadorias

Desafios da luta contra o livre comércio hoje” foi o tema da terceira mesa, realizada na manhã do dia 10, que situou o debate na atual conjuntura política e econômica internacional, considerando as relações de força entre os países e a situação da América Latina e refletindo sobre os desafios das lutas das mulheres contra os tratados de livre comércio e a Organização Mundial do Comércio.

Maria Julia Monteiro recuperou como capitalismo, patriarcado e racismo se retroalimentam afetando diretamente a vida das mulheres. “Por isso, não é possível separar a luta de classes e a luta contra o capitalismo da luta das mulheres. Para nós, todas essas lutas estão conectadas. E por isso a luta contra o neoliberalismo é central na nossa agenda e na constituição da Marcha Mundial das Mulheres enquanto movimento. Nossa luta combina a resistência ao poder das empresas transnacionais, às políticas de ajuste e de precarização do trabalho e aos acordos de livre comércio, junto com a defesa da soberania dos povos, dos nossos territórios e soberania sobre nossos corpos. Todas essas lutas são feministas”.

Foi feito um resgate da trajetória da MMM na recomposição de um campo do feminismo que tem a mobilização de rua como centro de sua ação e se fortalece na luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Os avanços com governos progressistas na América Latina teve como alicerce fundamental a rearticulação dos movimentos sociais e desse feminismo que estamos construindo. Atualmente, a Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo marca uma nova retomada desse processo de articulação em toda as Américas frente à ofensiva conservadora e capitalista que tem avançado pela força, violência, controle dos meios de comunicação e por golpes de Estado jurídico-legislativos.

Estabelecer vínculos entre o que vivemos agora no Brasil com golpe, reforma trabalhista, tercerização e destruição da aposentadoria, as perdas de direitos e como isso é parte do processo de implementação de acordos e tratados internacionais de livre comércio como o Tisa (sigla em inglês para Acordo de Comércio de Serviços) é o grande desafio.

É preciso continuar esse processo de articulação e diálogo com o povo de elevação da consciência e de combate ao capitalismo ao mesmo tempo em que lutamos para ter os nossos governos. Na América Latina o que mais foi forte quando conseguimos derrotar a Alca é que ao mesmo tempo em que estávamos nos rearticulando a partir das derrotas nos anos 1990, também estávamos construindo governos progressistas. Essas são vias importantes para insistir na agenda de luta, bem como sobre o feminismo que estamos construindo”, destacou Conceição Dantas, do CF-8 e MMM do Rio Grande do Norte.

O seminário se encerrou com a mesa “Feminismo e sustentabilidade da vida: nossas lutas e propostas”, onde dialogamos sobre feminismo, economia feminista e a construção de um modelo de desenvolvimento em que a economia está a serviço da sustentabilidade da vida e não do lucro. Todos os debates foram muito participativos, com as mulheres compartilhando sobre seus processos e práticas feministas na construção de autonomia, soberania e na defesa dos bens comuns e fazendo a relação com os conteúdos apresentados.

Confira os videos integrais das mesas do seminário nos links abaixo:

Mesa 1 – https://www.youtube.com/watch?v=4lFQ7SBsccU&t=7487s 

Mesa 2 – https://www.youtube.com/watch?v=mIQF7slvdh4&t=3579s  e https://www.youtube.com/watch?v=MYQ85TlcTZM 

Mesa 3 – https://www.youtube.com/watch?v=mIQF7slvdh4&t=3593s


E galeria de fotos:

https://www.facebook.com/marchamundialdasmulheresbrasil/photos/pcb.1722540877764363/1722532474431870/?type=3&theater