No último dia 15 de dezembro aconteceu, via plataforma virtual, a Consulta Pública do Curso Experimental Técnico Subsequente em Agroecologia que está em construção conjunta entre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e a SOF – Sempreviva Organização Feminista.

36 pessoas participaram da consulta virtual, entre elas, professoras/es referência no tema da Agroecologia e da educação no campo não só do Instituto, mas também de outras universidades; militantes de movimentos sociais como Marcha Mundial das Mulheres e MST, que participaram de reuniões de articulação prévias à consulta; pessoas interessadas no tema; e também técnicas da equipe da SOF.

A consulta, convocada pela Comissão de elaboração do PPC do Curso Experimental Técnico Subsequente em Agroecologia, foi um momento de apresentação da proposta do projeto e do Programa Pedagógico do Curso, refletir coletivamente e de ouvir sugestões, dúvidas e contribuições diversas.

Um dos fatores que torna o curso inédito é seu recorte a partir da experiência feminista no campo da agroecologia e economia; do envolvimento de demais câmpus do Instituto Federal, além da sede do curso, o Câmpus Boituva; e ser o primeiro curso com pedagogia da alternância realizado no IFSP.

Elaine Alves, pedagoga da Pró Reitoria de Extensão, explicou que “o processo iniciou quando a SOF trouxe para gente a proposta de construção desse projeto por meio do Fundo Newton e a partir daí, como é de costume, formalizamos uma comissão de trabalho para elaborar o curso. Foi um trabalho a muitas mãos.”

O curso técnico está previsto para iniciar já no 1º semestre de 2021, e tem como objetivo atuar principalmente junto à mulheres jovens e/ou pessoas que vêm da experiência com agricultura familiar, assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais e agricultura urbana. Parte significativa das estudantes espera-se que venha da região de atuação da SOF no Vale do Ribeira, mas a proposta é envolver estudantes de todo o estado de São Paulo que estão próximos aos câmpus participantes, permitindo o acompanhamento pelas professoras/es do tempo comunidade. Além disso, o processo vai funcionar em regime de alternância, em que estudantes passam períodos em sala de aula e períodos colocando em prática nos seus territórios.

O reconhecimento do território é muito importante como ressaltou Regiane Menezes do setor de gênero do MST: “é fundamental que as educandas/os conheçam a sua realidade, trabalhem em um diagnóstico do campo delas, e que a partir destes elementos possam fortalecer o conhecimento individual e coletivo, parabéns pela iniciativa”.

Uma das questões fortemente debatidas durante a consulta pública é o recorte de gênero proposto pelo projeto. A Comissão de elaboração destacou a ousadia de a proposta trazer à tona para o debate as desigualdade e opressões que estruturam a vida das mulheres no campo, sobretudo mulheres jovens. Este fator também foi elogiado por Regiane, do MST: “isso só vem para fortalecer nossa luta”, completou.

De acordo com a um levantamento anteriormente realizado pela SOF e IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento da França) junto às Escolas Estaduais de Ensino Médio na região da Barra do Turvo, mais da metade dos estudantes reconhecem que a região onde vivem é um bom lugar para se viver, mas têm como principal dificuldade a falta de oportunidades de trabalho. Além disso, dos estudantes que querem trabalhar como agricultores em suas comunidades, a maioria são mulheres.

“Nós sabemos muito bem que a agroecologia começa a partir da experiência das mulheres, dos seus quintais produtivos, dos saberes sobre as ervas, entre outros conhecimentos que foram passados de geração em geração. Então que possamos instaurar a agroecologia pelo viés da luta feminista e antirracista” Miriam Nobre – SOF

Para a SOF, a potência do curso técnico está também em propor trilhas para um reencantamento da juventude no fazer agroecológico, no trabalho com a terra; como parte de um processo de reencontro com sua ancestralidade e modos de viver dessa ancestralidade, das comunidades camponesas e tradicionais como quilombolas. Como compartilhou Miriam Nobre, assessora da SOF.

“São histórias que as jovens ouviam de suas avós, tias, mães. E esse desafio de questionar a migração para a cidade como única alternativa sempre nos tocou. Principalmente porque surge como um desafio em relação as mulheres jovens que ocupam o topo dessa geração que ‘nem trabalha e nem estuda’”.

Para o professor Breno Santos, da Pró Reitoria de Extensão, o curso chega para quebrar muitos paradigmas no IFSP, já que “é a primeira vez que se cria algo coordenado neste nível de complexidade, além da alegria em poder atuar com o público específico de mulheres agricultoras”.

Jovens agricultoras da Barra do Turvo

Os frutos da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras da Barra do Turvo

O projeto que será financiado pelo Fundo Newton do Conselho Britânico, usa como lente os princípios feministas, antirracista (dialogado com as/os discentes através das contribuições do feminismo negro) e da economia feminista para enxergar as desigualdades que ainda perpetuam na realidade do campo. E a partir daí, ser possível pensar o fazer agroecológico nas disciplinas e metodologias conectadas ao longo do processo formativo.

Miriam Nobre e Sheyla Saori, assessoras da SOF, compartilharam brevemente os caminhos que culminaram na proposta do curso. Fruto do trabalho desenvolvido com a RAMA (Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras da Barra do Turvo) e de comercialização junto com a Rede Sampa de Grupos de Consumo Responsável na Grande São Paulo.

“Entre 2017 e 2018 começamos um processo de formação de conhecimento em torno do feminismo, pensando as agricultoras da região do Vale do Ribeira enquanto sujeitas políticas. Foi o início de um processo de aliança entre campos e cidade, visando a autonomia da agricultora na decisão de como escoar sua produção, e não na lógica imperativa em que as cidades ditam como querem os produtos”, ressaltou Miriam.

A importância da “Ecologia dos Saberes”

A professora Alexandra Filipack, que compõe a Comissão de elaboração do curso fez questão de pontuar a importância da conexão entre as diversas formas de conhecimento, citando o conceito da “Ecologia dos Saberes” cunhado pelo professor Boaventura de Sousa Santos, para que um curso como este tenha sucesso. Enfatizou: “que um dos frutos deste curso experimental seja transformar o curso de agroecologia um curso regular no instituto”.

Tal fala foi reiterada pela professora Vania Pimentel do Câmpus Planaltina do IF de Brasília, referência na experimentação nas áreas da agroecologia e agropecuária camponesa. “Essa questão da indissociabilidade baseada na realidade é muito importante. É isso que significa pesquisa e extensão; e contempla o aspecto dos princípios dos Institutos Federais. Nós fazemos parte deste processo de construção de conhecimento e a experimentação faz parte, são caminhos a serem percorridos.”

O professor Felipe Almeida, diretor geral do Câmpus Boituva também destacou a importância da articulação em rede no processo. “Isso é o que nos difere, porque estamos conseguindo envolver vários câmpus em prol de uma ação de sustentabilidade. Nós que já trabalhamos com temas de energia renovável, coleta seletiva etc., agora temos mais esta iniciativa. Que seja um curso em que agricultoras/es tragam melhores perspectivas. É o início de um caminho que será muito produtivo para todos”.

Acesse aqui o programa pedagógico do curso

Confira um pouco da atuação da SOF junto às comunidades do Vale do Ribeira em:

  • Mulheres quilombolas: territórios, identidade e lutas na construção de políticas públicas (2020) | leia
  • 8 de março de 2020, lançamento da 5ª Ação Internacional da MMM em São Paulo (2020) | assista
  • Economia feminista: aprendendo com as agricultoras (2020) | assista
  • Práticas feministas de transformação da economia: autonomia das mulheres e agroecologia no Vale do Ribeira (2018) | leia
  • Caminhos da autonomia: agroecologia e feminismo no Vale do Ribeira (2018) | assista
  • O que é liberdade? Reflexões de mulheres do Vale do Ribeira (2017) | assista
  • Feminismo e agroecologia aproximando campo e cidade (2016) | assista